26 de abril de 2003

EDUARDO E BARBARA NA CASA DOS ARTISTAS

Um texto datado:

Escrevi esse texto na primeira edição da Casa dos Artistas, que foi ao ar pelo SBT. É uma viagem na maionese que não acerta uma profecia. Mas serve como exercício de linguagem sobre relacionamentos, um território minado de poblemas hoje e sempre.r



EDUARDO E BARBARA NA CASA DOS ARTISTAS

Nei Duclós

Eduardo é nome traduzido de príncipe britânico e Barbara (feminino de bárbaro - estrangeiro, selvagem, invasor) é também matriz de Barbie, a personagem/objeto que se humaniza. O herdeiro avesso ao casamento é invadido por um sentimento estranho, o amor, e acaba cedendo quando defronta-se com Cinderela, a mulher de origem pobre e de precária mágica, que se desfaz na primeira badalada da meia noite. O sino tocará quando a Casa dos Artistas chegar ao fim. A pergunta é: Cinderela irá se recolher e esperar o eleito procurá-la por meio das pistas deixadas na festa? Haverá chance para o amor nesta reencarnação de um mito que virou história infantil?

Essa dúvida desencadeou o tenso diálogo entre Supla (nome artístico, alter ego de Eduardinho, apelido familiar) e Barbara (emergente que procura resgatar o status perdido do seu sobrenome Paz), que foi ao ar pelo SBT dia 4 no programa Casa dos Artistas. O conflito nasce do amor, armadilha da natureza que sempre surpreende os personagens. Como no drible tradicional de Garrincha, que enganava o adversário saindo inapelavelmente pela direita, o amor é manifestação do ineditismo num ambiente previsível. É esse bote do destino que faz o encanto dos folhetins. Mais forte – e com mais chances de longevidade - é o amor quando se manifesta pela diferença, como é o caso do príncipe e da Cinderela, o modelo mais bem acabado da intensidade da paixão entre opostos.

Somam-se, em benefício da verdade, as duas hipóteses sobre essa relação. A primeira é a de que é tudo armação – os dois estariam fingindo, para manter o Ibope alto. A segunda é a de que é tudo real – e eles estariam à vontade para colocar o que sentem, mesmo que isso signifique escancarar os perigos que corre o bem mais precioso da intimidade – o fato de estarem apaixonados. Somam-se porque, seja qual for a hipótese vencedora, não resta dúvida que trata-se de um divisor de águas na teledramaturgia.

Se for armação, não segue os cânones do paradigma mais próximo, o das telenovelas. Também não obedece à dramaturgia clássica, pois é extremamente mal “escrito”. Ou seja, se for tudo mentira, é um fenômeno de criatividade e por isso merece ser levado em consideração. Mas estamos diante de algo novo se a situação for real – e é essa hipótese que deve ser ungida como vencedora , pois muita coisa do programa escapou do planejamento original. A ira de quem é eliminado, por exemplo, é absolutamente sincera. Se a raiva é verdadeira, porque o amor seria falso?

Se o programa tinha como previsível as cenas picantes, já que espalhou pelos quartos, salas e jardins pessoas jovens e malhadas de ambos os sexos, talvez não tivesse nos planos as complicações – verdadeiras - que o amor e sua ética impõe num relacionamento a dois. A ética se manifesta pelo seu lado torto – o ciúme. Este, é a fome de honestidade provocado pelo sentimento genuíno e intenso. Qual o lugar do ciúme num ambiente de pessoas “descoladas”? Como unir a imagem de liberdade com a do compromisso?

O amor detona a situação e desestabiliza os protagonistas. O diálogo entre os dois demonstra essa instabilidade. Barbara teme a certeza que demonstra do seu amor – o que já é óbvio para todos. Ela não quer que Supla – sem retribuir - se sinta seguro quanto ao sentimento devotado por ela. Por isso repete o que ele diz em determinado momento do diálogo. “Eu também não sei o que vai acontecer quando sairmos daqui”, diz, sem convencer. Neste caso, a mulher cai do muro do individualismo de maneira mais radical e contundente, enquanto o homem mantém-se nele, mas já sem a mesma sensação de conforto.

O que vai acontecer no final do programa, todos sabem. Será rompido o invólucro que permitiu o nascimento do amor. O isolamento do casal numa casa com poucas pessoas, a falta completa de contato com o mundo externo facilitou a criação do ninho – aquele espaço que a natureza gera no coração e no corpo dos casais com objetivos bem explícitos. Essa delícia da proximidade está protegida enquanto durar o programa – apesar da maldade de alguns habitantes da casa, que implicam com o namoro.

Enquanto Barbara debate-se com esse drama, Supla está armadilhado em outro. Sua disponibilidade total, enfim, acabou. Barbara não é uma Japa Girl, a namorada de ocasião que vira amiga e tudo fica por isso mesmo. Cinderela pega mais fundo, amarra bem firme os pontos soltos de uma individualidade que estava à deriva e que enfim se encontra. O amor parece opor-se à súbita notoriedade, à carreira que enfim deslancha. Os novos namorados se perguntam: o que vale mais, a fama ou esse sentimento que preenche todos os espaços, que os derruba, que os envolve numa nova espécie de conflito? Haverá chances para o individualismo tão arduamente cultivado? Ou a solidão enfim vai acabar e levar com ela a única chance de tornar-se um megastar? Ou é possível unir as duas coisas, o sucesso e o amor-a-dois, vivido de maneira intensa e genuína.

O diálogo entre os dois amantes é desencadeado pela cara amarrada da mulher – que tem medo de estar pagando o maior mico em frente às câmaras, entregando-se para algo que não sobreviverá depois que a porta se abrir. Continua com a insistência de Supla em saber o que está acontecendo. Ele sabe do que se trata, mas quer que ela diga, para poder contestá-la – e assim, escapar do inexorável. Ela faz o jogo, amarrando a cara para – como confessou depois à amiga Patricia – arrancar dele uma esperança, a confissão de que o sentimento é real e será vitorioso no final. Ela execra a fuga permanente do namorado – que diz só sentir tesão e mais nada. Quer que ele se declare.

Este é o mais difícil e sofrido “eu te amo” da história dos casais. Virá, inevitavelmente. Talvez não dure, mas existe desde o primeiro momento do amor. Triunfa assim o imprevisível: a sinceridade impõe-se às armações. O jogo do amor vence o jogo da cobiça pelo dinheiro. A natureza dita as leis, e por mais que Barbara e Supla se debatam, terão que ser cumpridas.

É o fim da boa vida do Eduardinho. Ele já perdeu a luta, e não há melhor notícia para alguém que pensava ser rebelde e é apenas um rapaz de boa família. Silvio Santos ri à toa, pois seja qual for o desfecho, sai lucrando. Seria ingenuidade achar que todo esse quadro contrarie qualquer previsão de Maquiavel, mas este parece estar sendo traído pela excessiva auto-confiança. Enquanto isso, Deus, que está morrendo de pena de tanta falta de amor verdadeiro entre os casais, é quem acaba rindo por último.

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