15 de agosto de 2003

PRAÇA DOS SONHOS

PRAÇA DOS SONHOS

Nei Duclós

Fabrício Carpinejar, que tem uns 30 anos, já é nome de prêmio na sua cidade, São Leopoldo. O Lindolf Bell, que conheci em 1971 em Blumenau, quando participei do lançamento do Jornal de Santa Catarina, é nome de espaço cultural. Luis de Miranda, poeta conterrâneo e vulgo Libisca, pode ser patrono da próxima Feira do Livro de Porto Alegre. Tabajara Ruas, que me deu o privilégio de ler em primeira mão, ainda datilografados, seus primeiros romances, daqui a pouco ganha o Nobel. Caio Fernando Abreu, do qual guardo cartas magníficas (e que não foram publicadas ainda porque ninguém me perguntou se eu tinha), é ícone literário. Caco Barcellos, que conheço desde a época em que ele era repórter (e eu redator) da Folha da Manhã em 1975, em Portinho, e que cruzou comigo inúmeras vezes nas redações da vida, é quase Sir.

Só eu continuo no meu início. Ainda estou à cata de quem edite minha enorme gaveta. Procuro também novo emprego. Mas minha vingança é que meu desejo um dia vai se concretizar: quero ser praça. Ou praça, ou nada. Nela, meus amigos irão escutar os passarinhos no fim da tarde (pois os pássaros vão se refugiar lá, quando ainda houver fim de tarde). Vão namorar em algum banco, pegar sombra depois do almoço. Nela, meus filhos irão matar a saudade. Nessa praça, haverá quietude e ninguém será visto como mendigo. Estarei lá, em algum canteiro, arrancando erva daninha e cheirando flor. Não prometo plantar alguma coisa. Mas será praça com flora variada, porque nela todos sentirão vontade de adotar uma folha, uma pétala, uma fruta sem serventia.

Essa praça vai precisar de um coreto, que faça música em poucos dias do ano, para uma platéia atenta e mansa. Coreto colorido como os antigos enfeites de papel crepom que meu tio avô fazia para comprar cachaça. Ele enrolava o papel em arames fininhos, fazendo pequenas hastes-tubos e depois colava, com grude de farinha e água, devagarinho, levando a tarde toda, na borda dos porta-retratos que vendia por uma micharia. Depois ordenava:
- A Elvirinha gosta que se péla de uma cervejinha, mas não gelada. Vai lá no Mirotti comprar para o teu tio.
Minha irmã Elvira, que Deus a tenha, estava com uns nove anos naquela época e detestava ir no bolicho do Mirotti.

Na praça que levará meu nome, farei rodas de conversa em cadeira preguiçosa em noites de lua, com a Elvira, minha mãe e meu pai e tias, que já se foram, mas que estão sempre comigo. Também os futuros escritores farão suas visitas. Os pequerruchos (porque são crianças os futuros escritores) sentirão um perfume estranho no ar. O cheiro de uma antiga loucura, aquela que tinha sol nos sessenta, aquela que viu minha juventude nascer.
A praça com meu nome será abraçada pelos amigos de sempre. Caio, Gick (com tanta vida para tão poucos anos), Fortuna, Tarso. Aliás, vou apresentar o Tarso para meu pai. Eles vão dar boas gargalhadas.

Um dia viro praça. Só então serei eterno.

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