15 de setembro de 2003

O DESAFIO DA EQUIPE

Depois de algum tempo na profissão, fatalmente o jornalista vai enfrentar seu maior desafio: ser responsável, perante a direção, por um grupo de profissionais. Para quem não é arrogante e só sabe trabalhar dentro da ética, essa é uma tarefa extremamente delicada, pois envolve não apenas pessoas, mas destinos.

AS BASES DO SUCESSO - Há dois tipos de situação. A primeira é encontrar a equipe montada e você cai de pára-quedas. A outra é fazer acontecer, criar uma equipe afinada. Como esta coluna não é de marketing nem de auto-ajuda, vou falar em jornalismo nos termos que eu conheço, a partir do que vi e vivi. Estive quase sempre no grupo liderado e só algumas vezes precisei estar à frente do trabalho. Por isso posso dizer: não é fácil e normalmente ocorrem trombadas. Há o editor (ou simplesmente chefe, como se diz no Brasil) que, de maneira cavernosa e melíflua, vai eliminando os problemas, ou seja, os concorrentes primeiro, e depois os menos “perigosos” mas não menos confiáveis. Há o outro que resolve apostar no que tem e não possui cacife suficiente para segurar o rojão. E há o que simplesmente substitui o que existe pelo que traz no bolso do colete. Meu exemplo favorito é criar um veículo de comunicação (ou uma editoria) do nada e a partir do nada inventar uma equipe. É a melhor maneira de não tomar o lugar de ninguém, abrir mercado e virar herói. O único grande problema é acertar: na hora em que você consolida o projeto, sempre tem alguém a fim do teu lugar. Você pode considerar-se bem sucedido se estão querendo te derrubar. Mas vale a pena o risco pela emoção da criatividade nesta área tão complicada que é a liderança numa redação.

FORMAÇÃO COMPLETA - Costumo dizer aos estagiários que passam por mim que meu objetivo não é encaminhá-los para a reportagem, mas para a formação completa. Você precisa pautar, reportar, escrever, fazer fechamento, criar veículos, tudo. Para um jornalista recém formado que veio queixar-se do aperto do mercado pedi que visse a grande pilha de revistas que estava em cima da minha mesa. Falei: selecione algumas dessas revistas, tome nota dos editores e chefes de reportagens, estude o veículo, sugira pautas. Apresente soluções, coloque-se à disposição. Faça parte da equipe. Pois você jamais poderá liderar se não souber participar de algo maior do que você, ou pelo menos diferente. Toda vez que eu trazia um free-lancer importante, que tinha ocupado cargos de chefia em outras redações, sopravam no meu ouvido: “Você é louco, esse cara vai tomar o teu lugar!” Como sonho em sair desta vida há mais de dez anos, eu blefava: isso seria um favor para mim, mas o que importa é trazer para a equipe gente melhor do que você. É o único jeito de crescer, trabalhar sem rede de segurança, convocar o mundo e deixar que o processo depure, que a equipe se forme de baixo para cima.


SAIR DE CIMA - Esse é o truque: sair de cima. Aprendi isso com os grandes mestres. Quando vi o Tarso de Castro, o Samuel Wainer, o Mino Carta e o Wagner Carelli à frente de suas equipes, descobri o óbvio: eles são grandes porque apostam na grandeza alheia, porque acreditam que haja talento nos outros, porque confiam. Carelli costumava dizer na Bravo!, num falso tom de lamentação: “Vocês só fazem coisas brilhantes! Assim não dá! E eu como é que fico?” Esse era um dos jeitos de elogiar a equipe que montou na revista que era na época “a inveja da América Latina”, segundo o poeta Antonio Skármeta, autor de O carteiro e o Poeta. Mino Carta, numa reunião de pauta, escutava e só no final dava seu toque: uma fonte importante para a matéria, um enfoque diferente, uma capa. Além de conhecer o Brasil como ninguém, Mino também trabalha com Conselho Editorial, com pessoas especializadas que trazem contribuições fundamentais para as reportagens. O líder se segura, sabe o que faz, confia nos seus jornalistas e trabalha em dois tempos: um é a espinha dorsal da equipe, as pessoas-chave, os âncoras; o outro são as aquisições, as pessoas que chegam e saem, os que passam e fazem a experiência. Mino Carta, o pai da matéria, mestre de Carelli e de todos nós, não é o número 1 por acaso. Seu método de trabalho foi surpreendente, para mim, que não tinha idéia como seus maravilhosos jornais e revistas eram feitos. Ele simplesmente saía de cima, mas mantinha o rigor da liderança. Sair de cima não é omitir-se, é deixar fluir a criação e o trabalho e não deixar que a mediocridade tome conta.

Se vocês insistirem, voltarei ao tema.

RETORNO – Nenhum retorno. Repercussão zero (com as belas exceções de sempre). Obrigado, amigos. Estão todos demitidos.

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