15 de outubro de 2003

O PARAÍSO DAS COLUNAS


O espaço pessoal onde tudo cabe, da crônica ao furo, faz a delícia não só de leitores, mas especialmente de quem escreve. Uma coluna pode ser hoje um jornal-síntese completo, como a de Elio Gaspari, um assombro de revelações, como a de Mônica Bergamo, um dos poucos lugares onde existe oposição na mídia brasileira, como a de José Simão. Ou ter formato televisivo, como a de Ricardo Boechat. Todas devem algo aos pioneiros como Tavares de Miranda e Ibrahim Sued, que devem provocar curiosidade histórica, mas jamais saudades. (Antes de falar em colunas, vamos divulgar um fenômeno cultural.)

SAGARANA, ANO 3 - Está no ar a nova edição da melhor revista virtual do mundo, e a melhor revista cultural feita por um brasileiro, a Sagarana (acesse no link ao lado www.sagarana.net), do meu amigo Julio César Monteiro Martins. Sagarana é uma avalanche, um incêndio na floresta, um mergulho profundo no que de melhor e mais importante existe para ler hoje. Neste terceiro ano de existência, Sagarana traz ensaios, contos, poesias e trechos de romances selecionados. Nas páginas principais traz José Saramago, Saul Below, Umberto Eco, Ítalo Calvino, Julio Cortazar, Alejo Carpentier. Nas seções sobre Narrativa (Sagarana é também uma escola de Narrativa, que funciona dirigida pelo nosso grande Giulio), Clarice Lispector, Garcia Márquez, Tchecov. Na seção Novos Autores revela oito escritores, na seção de poesia traz Yeats e Ferreira Gullar entre outros. Gullar mata a pau: “O preço do feijão/ não cabe no poema./ O preço do arroz/ não cabe no poema./ Não cabem no poema o gás/ a luz o telefone/ a sonegação/ do leite/ da carne/ do açúcar/ do pão./ O funcionário público/ não cabe no poema/ com seu salário de fome/ sua vida fechada/ em arquivos./ Como não cabe no poema/ o operário/ que esmerila seu dia de aço/ e carvão/ nas oficinas escuras./ – porque o poema, senhores, está fechado:/ “ não há vagas”/ Só cabe no poema/ o homem sem estômago/ a mulher de nuvens/ a fruta sem preço/ O poema, senhores, / não fede/ nem cheira.” De quebra, o terceiro aniversário de Sagarana traz um site sobre o autor, com textos inéditos, biografia, tudo. Julio César, que publicou vários romances e livros de contos, além de ter feito roteiros de filmes e manter por muito tempo sua editora Anima, desistiu de dar murro em ponta de faca no Brasil e foi brilhar em Lucca, na Itália, onde vive. Conheci-o muito menino, estreante de um livro maravilhoso de contos, Torpalium, do qual tive a honra de escrever o prefácio. Sagarana, na edição anterior, publicou meu poema O País Perdido, com o qual Julio identificou-se, o que para mim é a honra suprema. Leiam e divulguem Sagarana e depois me digam se não é uma grandeza.(Também as Atas do 3° Seminario italiano degli scrittori migranti, que a Sagarana promoveu em Lucca no mês de julho passado, estão acessíveis no endereço http://www.sagarana.net/scuola/index_seminari.html).

DIVERSIDADE - O colunismo social nasceu para tornar importantes as pessoas com dinheiro, mas sem importância. Transformou-se na vitrine da má distribuição de renda no Brasil e emite seus malefícios até hoje, quando diariamente a televisão reitera os papéis sociais de rígida divisão de classes, tanto nas novelas quanto na publicidade. Não há cena de novela sem uma pobre criatura uniformizada sendo destratada por um patronete qualquer, quando não fica exibindo sua subserviência de todos os jeitos. Nos anúncios, o que está sendo divulgado sobre o Chat amizade, serve como exemplo. Nele, uma empregada doméstica (com uniforme, claro) chama a apresentadora-estrela de Dona Sabrina, fazendo gestos e bocas de escrava, enquanto a madame bate papo à toa. Esse é o tipo de acinte tratado como coisa normal. Serve para lembrar a parte que cabe aos escravos neste latifúndio.
Como o Brasil é enorme, o isolacionismo de muitas regiões permite que práticas ultrapassadas sobrevivam e por isso o velho colunismo social ainda existe em vários veículos espalhados por aí, que se transmite não apenas nos cadernos de variedades, mas nos de política e economia. Pequenas notas podem render muito dinheiro, como provou recente matéria de Fernando Rodrigues, da Folha, sobre o jabá em parte da imprensa paranaense (mas isso não é exclusivo daquele estado). Há também excelentes colunas de jornalistas criativos, que tratam a palavra tão sem cerimônia que mereceriam ser analisados pelas suas contribuições à língua. Mas o que pega hoje, quando os manuais de redação transformam todos os repórteres em robocops, é que o estilo pode ser cultivado nos espaços das colunas. Se este espaço for de crônicas, como existe no Estadão, melhor. Se houver abertura para memórias, como a de Luis Nassif aos domingos, ótimo. Se for como a de Luis Fernando Veríssimo, que na Zero Hora (e por um tempo nos jornais da Caldas Júnior) sempre foi diária, é uma festa. Veríssimo é um escritor supremo e ler seus textos é compartilhar do seu talento, que ele distribui generosamente.

MÔNICA E JOSÉ – Mas a coluna mais contundente é a da página dois da Ilustrada. Nela, descobri coisas como a grande festa milionária dos Safra, que Mônica Bergamo reportou como ninguém. A colunista entrega tudo e todos, com uma tranqüilidade de fazer inveja. O impulso que dá às fotos de personalidades deveria ser imitado, pela grandeza e invenção iconográfica. Infelizmente, ainda existem colunas que estão no tempo das certinhas do Lalau – quem é antigo lembra do mulherio abordado pelo Stanislaw Ponte Preta. No alto da coluna à esquerda, ela sempre traz algo forte, que envolve o grande mundo das finanças e da política. Uma coluna de reportagens, que abrange tudo. E há José Simão, que extrapola ao dizer tudo o que pensamos de todo mundo.

RETORNO – O fantástico fotógrafo e criador do www.portaluruguaiana.com.br, Anderson Petroceli, que é um feliz pai estreante, descreve o que há neste mês de outubro na terrinha e comenta meu texto sobre aquele rádio, aquela calçada e aquelas músicas, revelando como sua vocação despertou: “Lindas noites de primavera!! É incrível a maneira como descreve os fatos, tu faz a narrativa e ela conduz direto a cena. Vejo que tens em pensamento e bem guardadas as melhores imagens que se pode levar dessa cruzada. Eu também sou assim, lembro em imagem corrida, tenho verdadeira novela de minha infância, falo lá do meu 1º ano de idade, isso já há uns 33 anos + ou -. Talvez seja daí essa mania de olhar o mundo de vários e inúmeros outros ângulos.” Ontem, Anderson me enviou uma foto dele, maravilhosa (para variar) e fiz um poema em cima. Vejam o resultado na seção Cantinho do Poeta, no melhor portal de cidades do Brasil.

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