27 de março de 2004

QUARENTA ANOS DE DITADURA


Dia primeiro de abril é a data magna da transformação do país, quando o sonho do Brasil sofreu uma ruptura mortal e o golpe de 64 jogou a civilização atlântica de volta ao horror. Bem na minha hora, como dizíamos naquela época, bem no momento em que despertávamos para a vida e estávamos loucos para participar do jogo político, o que nos foi barrado de maneira brutal. Entramos então na clandestinidade, de onde até hoje não saímos.

TRÓPICO RUDE – Por que usei a expressão “de volta” acima? Porque acredito na belíssima transformação operada pela Revolução de 30, quando foi rompido o vínculo colonial e o Brasil nacionalista emergiu em plena crise das grandes potências. Foi a oportunidade totalmente aproveitada pela grande geração nascida no fim do século 19 e início do 20. Basta ver a quantidade de gênios que aflorou logo após, uma capacidade de gerar conhecimento e talento que só se esgotou quando enfim adentramos nos anos 70/80. Hoje vivemos o deserto. Precisaremos de vinte anos de democracia verdadeira, ou de governos que não entreguem o país de mão beijada, para que aflore novamente a diversidade que o Brasil viu nascer com Villa-Lobos, Tom Jobim, Sergio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Drummond e tantos outros. É triste constatar que jamais teremos um outro Glauber ou Guimarães Rosa. A colônia que nos assombrou por quatro séculos sofreu, a partir da revolução de 30, um duro revés. Tudo voltou ao “normal” com 1964, quando a mediocridade vitoriosa desencadeou o terror. Hoje, faz-se o balanço dos anos duros da ditadura por meio da História, da sociologia e da literatura. O importante é não deixar-se contaminar pelo revanchismo. Nos romances que estão saindo agora e vão continuar indo para as livrarias ao longo do ano, o determinante é descobrir o que essa maturação à força nos trouxe, qual a experiência que isso semeou entre nós.

FANTASMAS - É por isso que no primeiro de abril, quinta feira (40 anos da Redentora), os cinco livros que a W11 Editores produziu vai mostrar o leque de contribuições dos escritores para essas descobertas. O fantasma de Luis Buñuel, de Maria José Silveira, que estará presente na Fnac Pinheiros, usa o mote da paixão pelo cinema para relatar a trajetória de uma geração que foi cortada ao meio principalmente a partir de 1968. As memórias de Paulo Francis sobre 64, intituladas Trinta anos esta noite, que foram lançadas originalmente em 1994, aprofundam-se nos bastidores do golpe, vividos pelo autor em pleno front, já que ele conhecia de perto os principais personagens do movimento, de um e de outro lado do balcão. Outro livro de Francis, Filhas do segundo sexo, também um relançamento, mostra como as mulheres do Brasil mudaram para sempre. São duas novelas, cada uma focando um tipo diferente de personagem feminino, que traçam o imaginário e os acontecimentos de mulheres que, de bonequinhas de luxo, transformaram-se em guerreiras.

TEM MAIS - O relançamento do belo romance de Roberto Freire, Cleo e Daniel, que também estará lá autografando seu livro, é um acontecimento importante. A atualidade do texto é impressionante. Freire conseguiu livrar-se das amarras ideológicas e obsessões da percepção da época. Com links profundos em clássicos da literatura, do romance pastoral grego a Shakespeare, Freire recria a loucura ambiente dos 60 em São Paulo, o que transformou esse livro num best-seller absoluto. Vale a pena revisitá-lo. Sem falar que Freire é um doce de pessoa, gentil e animado, que tem na gaveta mais livros, numa atividade sem fim. E ainda tem meu romance, Universo Baldio, que na primeira parte recria o início dos 70 e na segunda mergulha nas pirações do Brasil pretensamente democrático do novo século. Um cardápio que deu gosto de produzir em longos dias de trabalho (incluindo cada minuto do Carnaval) e que agora voa para os leitores.

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