3 de maio de 2004

A ILUSÃO DO "SANGUE"

Foi a exclusão política e econômica que empurrou milhões de alemães, italianos, espanhóis, coreanos, japoneses, chineses para o Brasil. Exlclusão produzida pela ilusão da hegemonia racial. Vítimas do preconceito, as etnias servem aqui para reforçar preconceitos. Ninguém é mais brasileiro. São todos de outros povos, que possuem "sangue" estrangeiro. Amiga orgulhosa da sua ascendência italiana me confessou um dia desses que seu pai é cearense. "Então, dançaste", avisei. "Ceará é radical. Não tens mais nada de italiano."

TERRA BOA - Muitos milhares de anos - nem se sabe ainda ao certo - formataram o povo encontrado pelo europeu aqui na época da descoberta. Foi esse povo, composto por milhões de indivíduos, de muitas linguas, com enorme diversidade genética e racial, que ensinaram os portugueses (incestuosos maridos de primas, assim como o resto dos europeus, que adoram casamentos consagüíneos para manter as prueza da "raça", o que gera decadência física) a sobreviver na nova terra, segundo estudo minucioso e genial de Sergio Buarque de Holanda em duas obras seminais, Monções e Caminhos e Fronteiras. Todos os povos do mundo aprenderam a sobreviver aqui, pela mão do índio. Os coreanois chegam e enchem o bolso de grana vendendo vans. Os gerentes de multinacionais dizem que não há mão-de-obra melhor do que o brasileiro, que a tudo se adapta coma agilidade e criatividade. Árabes e judeus vivem em harmonia porque aprenderam a viver com os povos desta terra. Aqui eles estão longe do perigo, do Oriente Médio, do ódio racial, dos ressentimentos gerados pela História. O Brasil não é um mar de rosas, mas somos únicos e profundamente brasileiros. Por que negamos todo o tempo nossa soberania como povo? Os anos 90, com sua parafernália de conceitos como nichos de mercado, satisfazer o cliente nas suas necessidades, produtos segmentados e outras baboseiras aprofundaram os guetos. A palavra da moda é característica, na academia é especificidade. Precisamos voltar à cultura universal, a ter acesso a instrumentos poderosos que ultrapassem fronteiras de guetos, etnias (aos onze anos, na era Vargas, comecei a estudar no ginásio Latim, Francês e Inglês). O pior é que o brasileiro construiu o Brasil e quem está levando a fama são os estrangeiros. Parece que todo mundo adora enrolar a língua e a não falar brasileiro. Todos carregam no sotaque europeu, especialmente o alemão e o italiano (e buscam a nacionalidade lá, na terra que expulsou os avós). Amigo meu me chamou a atenção: esses caras vivem falanda da Alemanha e da Italia, mas jamais voltam para lá. Porque lá eles não tem as oportunidades daqui, não tem acesso a essa boca tremenda que é o Brasil.

O MAR AMOROSO - É por isso que, no momento em que somos empurrados para a regressão política rumo à República Velha - país entregue aos estrangeiros, nenhum direito trabalhista, trabalho escravo, desemprego e violência por toda a parte - é preciso resgatar o que nos chamou a atenção para o fato de sermos brasileiros: a revolução de 1930, que gerou o romance com gosto de terra e povo, a poesia revolucionária, o cinema brasileiro, a arquitetura brasileira. A traição é usar o que a revolução de 30 nos deu para negá-la. Na beira do mar, enxergo a terra maravilhosa que é o Brasil, com todas as suas contradições e problemas, mas terra de um povo que deveria continuar soberano. A praia é o pacto do mar com a terra. O alto mar é feroz, tempestuoso, porque é solitário. No momento em que encontra o Brasil, torna-se suave, tranquilo, amoroso. O Brasil é uma declaração de amor do mar ao planeta. Ficam falando tanto em terras européias, que são estéreis, vivem embaixo do inverno, exploram todos os povos e são as campeães da exclusão social. Aqui esta terra ensina a tolerância e se ela está no meio do caos e da violência é porque fazem tudo para estragá-lo. Cada geração tem a obrigação de lutar pelo que recebeu e vai legar. Passou da nossa hora. Não podemos nos iludir de apenas usufruir. Precisamos lutar para que o Brasil volte a ser um exemplo de paz. O tom catequista desta mensagem é gerada pela urgência de se falar sobre os guetos que se aprofundam no Brasil. Chega de musiqueta italiana, sotaque italiano, palavras ditas em tom áspero chucrutz. Chega de rap, hip hop, música mexicana disfarçada de sertaneja (gritada) etc. Quero Edu Lobo de volta. Onde está o maior compositor do Brasil?

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