26 de junho de 2004

EM LEGÍTIMA DEFESA



As calúnias que perseguiram Leonel Brizola em vida não serão mais toleradas depois da sua morte. Por isso seleciono alguns trechos dessa ira justa que está tomando conta da Internet e vindo a furo em alguns jornais impressos, que cometeram a incúria de veicular lugares comuns contra nosso herói nacional, que foi homenageado, ainda governador do Rio Grande do Sul, pelo poeta maior Neruda. A fonte da maioria dos textos, assinados, é de Paulo Nogueira, correspondente do Diário da Fonte em Brasília e editor chefe de sua própria agência virtual de notícias. A edição de hoje ficou meio grande, mas edição dominical é assim mesmo.

NERUDA - Antes de veicular as defesas, vamos disseminar a justiça feita em vida por Pablo Neruda, que escreveu em 1959 o seguinte: "Novas ilhas, novos rios, novos vulcões fazem de nosso continente uma nova geografia. Queremos: nova agricultura,outras forças juvenis, uma sociedade mais pura,novos protagonistas da história que está nascendo e que temos o dever de construir.Quem pode estar contra a nova vida? Celebramos a chegada de BRIZOLA no cenário da América como uma deslumbrante aparição de nossa esperanças. Estamos cansados da rotina de miséria,de ignorância, de injustiça econômica: abramos o caminho àqueles que encaram hoje a possível construção do futuro."

NIILISMO - Carta à Folha de São Paulo,criticando o jornalista Kennedy Alencar por comentários sobre Bizola: "A respeito do lastimável artigo em que procura denegrir a imagem de Leonel Brizola, sugiro a Kennedy Alencar que procure ler sobre a biografia do político gaúcho, ao invés de pinçar momentos de sua carreira e fazer análise bem particular das mesmas. O articulista já ouviu falar de algum político que tenha criado um programa de massificação escolar que alfabetizou todas as crianças de um Estado? Foram 6.300 escolas em quatro anos. O articulista já ouviu falar de um político que, sozinho, fez cumprir a Constituição e dar posse a um Presidente legítimo, enquanto jornalistas, esses especialistas em generalidades, mantinham-se refugiados no mais covarde silêncio? O articulista já ouviu falar de algum outro brasileiro que mereceu um poema de Pablo Neruda ( presumo que, mesmo não tendo lido nada dele, o Sr. Kennedy saiba de quem se trata )? Recebeu também um poema de Carlos Drummond de Andrade. Claro que não é provável que o articulista o tenha visto nesse tipo de leitura_ afinal os políticos de hoje, bem mais admirados pela imprensa, são mais comumente vistos em páginas policiais, enfim, bem mais lidas por jornalistas do que livros de poesias. Talvez a imprensa brasileira hodierna precise abandonar o posicionamento "yuppie-niilista" que tanto preza e passe a adotar referenciais éticos e morais autênticos. Com sorte, aprenderá um dia a distinguir valores como honradez, coerência, dignidade e patriotismo, quando se encontrar diante dos mesmos." Marco Antônio Paiva Nogueira Júnior.

OJERIZA - Outra carta do mesmo autor à Folha refutando críticas a Brizola feitas por Eliane Cantanhêde: "Li o artigo " Brizola e Reagan". Infelizmente, não pude concordar com o teor da matéria. No tocante a Leonel Brizola, não considero exagero afirmar que ele nunca traiu seus ideais e idéias. Infelizmente, a imprensa brasileira utiliza o princípio do " para os amigos tudo, para os inimigos, a lei". Ora, quando Brizola aliou-se a PFL, a Itamar Franco, a Lula, a Tancredo Neves e por aí vai, jamais abriu mão de suas convicções. Alianças políticas não significam abjurar o ideário político. Mais ou menos o contrário do que Lula e FHC fizeram, quando governo. Este último, inclusive, endeusado pela mídia. Quanto a apoiar Collor, lembro-me de que Brizola estabeleceu uma relação de governantes com o deposto Presidente, atitude responsável quando se trata de administradores. Mas, na votação do impeachmente de Collor, o PDT inteiro votou a favor. E como a imprensa acusava Brizola de conduzir com mão de ferro o Partido... Na verdade, desde que se defenda o interesse da mídia, não importa o passado, a incoerência, a desonestidade e a incompetência. O político passa a ser chique, elegante, inteligente e moderno ( o asinino termo criado pela imprensa brasileira para cognomizar quem é liberal ) desde que defenda o desmonte do Estado, a redução da carga tributária e a vista obnubilada para as sonegações e fraudes. Assim, é fácil entender a intolerância dos Jornais para com Brizola. Veja-se um exemplo. Eliane Cantanhêde publicou coluna esta semana em que se referia a Brizola como " pessoa de poucas letras e muita garra". Observe-se aí o revanchismo. Por que pessoa de poucas letras? Brizola, obviamente , não era crítico literário nem literato, como Jânio Quadros e José Sarney, mas engenheiro e político, como Mário Covas e Paulo Maluf. Mas era considerado um dos maiores oradores da política do século XX, ao lado de Rui Barbosa e Carlos Lacerda. Seu português era corretíssimo, ao contrário do de Lula e Fernando Henrique Cardoso ( este, autor de inumeráveis erros gramaticais absurdos, prodigalizados em oito anos de asneiras ). E ao contrário do português de Eliane Cantanhêde, que na mesma coluna escreveu o vocábulo inexistente " ogeriza", ao invés de se satisfazer com o clássico " ojeriza". Assim, creio tratar-se de uma má-vontade da colunista para com o político gaúcho, de resto tão comum na imprensa nacional. Kennedy Alencar esqueceu-se também de mencionar que os momentos inesquecíveis de Brizola na vida pública não se restringiram à Cadeia da Legalidade. Brizola recheou o Rio Grande do Sul de escolas ( 6.278 em quatro anos ), numa época em que a educação era ainda mais ignorada que hoje; criou o CIEP, obra mundialmente reconhecida e reverenciada ( consulte-se depoimento do ator Leandro Firmino, de " Cidade de Deus", o qual afirmou que os CIEP´s o salvaram de cair na marginalidade); foi o principal nome da Campanha das Diretas-Já ( e era sempre o mais aplaudido nos comícios); Deixou, enfim, uma vida dedicada à educação e à dignidade do ser humano. Sintomático, aliás, que o autor do texto dê tão pouco valor à educação ( acho que é por isso que escrevem " ogeriza" ). E equivocado dizer que Brizola teve o seu obituário maquiado. A maquiagem, em seu caso, foi a que a imprensa tentou fazer em sua vida. Mas não deu." Marco Antônio Paiva Nogueira Júnior.

CAMPANHA DA LEGALIDADE - Corretos na sua coragem/ vieram de toda parte/ do porto e do Cafarate/ da Gruta e o campo do Ferro//Das casas de chão de barro/ do cinturão de miséria /vão chegando os voluntários/ para o batismo de guerra//E a multidão enche a praça/apenas com a valentia/ ameaçando os golpistas / com outubro de trinta //Tinha chegado a hora/ de mais um feito farrapo / de atar de novo os cavalos/ nó de lenço maragato//Já estavam com o pé na porta/ sentindo a primeira bala/ quando o corte de um acordo/ varreu aquela batalha//E todos foram para casa/ obedecendo a Brizola/ com gestos já meio largos/ e as camisas de fora//Eram índios da ribeira/ eram os pretos sem terra / Levaram um tiro mais tarde/ em abril de sessenta e quatro. (poema que fiz há alguns anos e que meu irmão Elo me reenviou, pois não tinha mais uma cópia).

MINO CARTA - Reproduzo parte do texto de Mino Carta, "O filho de dona Oniva", publicado no Correio Braziliense, pg. 24, de 19.04.98: "Me deu vontade de falar de dona Oniva e do mais novo dos seus seis filhos, Leonel. O pai morreu em 1923, quando Leonel tinha um ano. Dona Oniva era de origem portuguesa, baixa e sacudida. Camponesa, sabia tudo da terra e cuidou com dignidade e discernimento dos filhos e da roça. Em Leonel observava um talento especial e por sugestão de um amigo, padeiro e de religião protestante, entregou-o a um jovem pastor metodista e à sua mulher para que os servisse na casa e no templo em troca de ensino de graça: eles acabavam de fundar uma escolinha primária em Carazinho. Hoje Leonel conta que, além de aprender a ler e escrever, virou "um verdadeiro sacristão", Leonel Brizola, esclareço, se ainda não entenderam.
Então desenhou-se em Carazinho uma vocação mística que o tempo e paixões terrenas se encarregariam de apagar. Sobraram lembranças comovidas e um estilo de expor idéias e contar eventos e pessoas que é aquele do pastor e mestre. Não é preciso grande esforço para colher nas falas políticas de Leonel Brizola o ímpeto do pregador que verbera e condena ou o tom macio do pastor que persuade. Ele próprio admite que seu primeiro discurso, recém-eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul, "foi uma pregação", bem como o foram todos os demais, ao longo de uma vida riquíssima, embora às vezes atribulada. Vale perceber, porém, que os timbres de Brizola não mudam, mesmo quando não está no palanque, no vídeo, no microfone. Mesmo quando participa de reuniões nos bastidores. E até nas conversas sobre fatos miúdos do cotidiano, entre amigos.
Essa fidelidade ao estilo fortalece Brizola, confere-lhe uma autenticidade rara, alça-o por sobre a categoria dos histriões da política. Por mais que se diga e faça, ele é o que aparenta ser. Mas tem outras qualidades, a meu ver, que talvez não dispensem o aprendizado do contato direto com a consciência ? com Deus, garantia o pastor e mestre ? e da improvisação na oração de cada dia, aquela que não está escrita nas páginas do catecismo. Parece-me que Brizola não é do tipo que arrefece, que entrega os pontos. Que desanima e se queixa da vida. Que remói as adversidades e tomba em melancolia. Aos 76, ele continua indo em todas as bolas e achando graça. Brizola ri com gosto, ainda que não gargalhe.
Dona Oniva deve ter sido uma senhora notável. Terminado o primário de Leonel, foi ela quem empurrou o filho adolescente para o estudo em um colégio de Porto Alegre, descoberto em anúncio de jornal. Escreveu uma carta, pedindo esclarecimentos; veio um prospecto prometendo radioso porvir. Dona Oniva juntou as economias e Leonel partiu nos seus deslumbrados treze anos. Chegou e viu que as promessas não se confirmavam. Ainda assim, mentiu para deixar a mãe contente. Avisou: está tudo bem, às mil maravilhas. Trabalhado e estudando, fez um curso técnico de quatro anos e foi operário em uma fábrica de sabão enquanto alcançava o curso colegial. Enfim, formou-se engenheiro e imagino a felicidade de dona Oniva.
(...)Dona Oniva, o pastor e mestre de Carazinho, os anos duros em Porto Alegre, ensinaram-lhe que a vida está longe de ser uma tertúlia folgazã, conquanto, em qualquer circunstância, mereça ser vivida. Podemos não concordar com algumas, ou muitas das idéias de Leonel Brizola, mas há de se reconhecer nele a têmpera do lutador. A coerência. De minha parte, acredito na qualidade de sua fé. Não é mais aquela da infância, é límpida, contudo. Em primeiro lugar, fé em si próprio, e tal aspecto não me causa mossa, sendo próprio de um eterno aspirante ao poder, que o avalia com precisão porque já o teve. Há mais um ponto, na história. Brizola é um belo espécime de uma categoria de políticos em extinção, personagens notáveis de um país bem mais promissor do que o atual Brasil da imensa, estrepitosa aliança conservadora encabeçada por FHC.
Aludo a figuras que cresceram no embate político contra o pano de fundo da extrema e generalizada confiança no futuro, com excelentes motivos para cultivá-la. Alguns tinham porte natural e cultura de berço. Outros aprenderam pelo caminho e se saíram tão bem quanto os primeiros. Quer dizer, foram tão marcantes e representativos. Ocorrem-me Adauto Lúcio Cardoso e Milton Campos. Gente de trato finíssimo, elegantes na postura e no discurso. Fichas impecáveis, obviamente. Ulysses Guimarães e Tancredo Neves pertencem a este filão e saíram de cena não faz muito tempo. No confronto com estes cavalheiros, Leonel Brizola era adversário à altura. Fosse ele uma flor, hoje o trataríamos com desvelo infinito para conservá-lo pelo maior espaço de tempo possível.

RETORNO - "Caro Nei: Os seus textos inseridos no Outubro me emocionam. É um orgulho tê-lo como amigo. Abração." Paulo Nogueira."O Diário da Fonte me levou às lágrimas inúmeras vezes, agora que li da cabo a rabo o assunto Brizola." Elo Ortiz Duclós. "Nosso herói merecia textos como esses, consideradíssimo amigo!" Moacir Japiassu. "
Meu artigo "Brizola, do verbo Brasil," foi reproduzido no Jornal O Buziano, de Búzios, que tem edição de arte de Juliana Duclós.

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