18 de junho de 2004

UMA RESENHA DE RESPEITO


O escritor Tailor Diniz dá uma aula de crítica literária na revista Aplauso, editada no Rio Grande do Sul, ao resenhar meu romance Universo Baldio. Nada lhe escapa neste texto que considero perfeito. Tailor Diniz nasceu em Júlio de Castilhos,RS, em 1955. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, período em que publicou seus primeiros contos na imprensa local. Reside em Porto Alegre desde 1982, onde exerce a profissão de Jornalista. Entre suas obras, destacam-se: Armadilha do Destino (novela),Crônica de uma Rádio Pirata (novela), Trégua para o Silêncio (contos), O Assassino Usava Batom (romance). Reproduzo a seguir a sua resenha:

"O UNIVERSO DA FOME DOMESTICADA

Tailor Diniz

O mundo de Nei Duclós não é composto apenas por Primeiro e Segundo Tempo - a divisão cronológica por ele determinada em seu novo livro, Universo Baldio. Há contrastes sólidos nessas duas metades, definidas pelo caráter mais factual de uma e o quase substantivamente pessoal de outra. No Primeiro Tempo, Duclós parte de um fato político e social, indo, mais adiante, na segunda parte, excursionar por universo intimista, no qual, numa espécie de autobiografia que se disfarça na pele do personagem Luis, luta, dialoga, convoca seus fantasmas quando está em busca de perspectivas que lhe abram caminho para salvação.
Raduan Nassar, em carta ao autor reproduzida na contracapa do livro, acha que é no Segundo Tempo que a ficção acontece, onde o romance realmente começa. Pode ser. Mas não se pode desconsiderar que é no tempo anterior que Duclós, por meio de uma linguagem acurada que muito lembra o poeta nos seus três primeiros livros, reconstitui de forma magistral o nascedouro de um período de obscurantismo cultural e democrático da vida brasileira. É aí que o autor criaria a dureza dos primeiros anos da ditadura militar no Brasil, trazendo à luz o cotidiano de um grupo de jovens, que expulsos da repressão em Porto Alegre decide se mudar de mala e cuia para Florianópolis. Num tempo em que a Hercílio Luz era a única ligação da ilha com o continente, fundam a República de Itaguaçu antecipando-se assim a Jurerê Internacional e aos empresários gaúchos da construção civil que ainda não haviam cruzado o Mapituba para fincar âncoras nas bucólicas praias do norte de Floripa.
E, nesse período pré-Jurerê Internacional, o país vivia dias difíceis, nos quais os amigos sumiam "como um sinal do que ainda estava por acontecer: o exílio interno dentro do seu próprio país, empurrado para dentro de uma vida que era mais uma luta diária de boxe, sem chance de títulos". O grande mérito de Duclós na primeira parte do livro, faça ele ficção ou não, está em reconstituir o dia-a-dia desse grupo de brasileiros. Ao contrário de outros militantes que puderam se exilar em Santiago do Chile ou Paris, eram jovens sem alternativas e que necessitavam, como recurso de sobrevivência, esconder-se em territórios excluídos dentro da própria pátria.
Entre idas e vindas sobre a ponte Hercílio Luz, vai se desenhando na lembrança do personagem Luís, sobre quem incide o foco narrativo da história, uma Porto Alegre pré-Libelu de passeatas e protestos, a lúdica Portinho das lanchonetes do Bom Fim, do bar da Reitoria, dos cinemas de rua, da Faculdade de Filosofia, território onde a fome não equivalia mais a um inimigo de peso. "Ao contrário, a fome fazia parte do folclore, já tinha sido domesticada pela sua teimosia..." Assim, em meio a reflexões pessimistas e melancólicas, entre infindáveis diálogos que vão da Revolução Farroupilha à reconstrução da metalinguagem, é que se faz o melhor de Universo Baldio, um mundo habitado por jovens exilados dentro do seu próprio país. Um mundo onde transitam figuras de referência da época (Hendrix, Godard, Glauber, Pasolini, Janis Joplin, Cortazar), e a maconha, o ácido e o guaraná com bolachas se misturam aos sonhos comuns de toda a geração, dispersada ou não."

MAIS RIO GRANDE - E como hoje minha terra está em destaque, reproduzo trecho do texto Prognóstico do escritor Eduardo Frizzo, de Santo Ângelo. O talento e a contundência de Frizzo sâo absolutamente brutais, no melhor dos sentidos:

"PROGNÓSTICO
(trecho)
Eduardo Frizzo

(...)Vivemos atolados num sumidouro impregnado de signos, de discursos que pretendem fazer nosso pseudo-arbítrio transitar por terras de um gerúndio eterno, aonde nos é prometido um gozo imensurável, seguido de um prazer descomunal que em parte alguma pode ser encontrado. Tatuam em nossa mente a desgraçada imagem de ser enquanto consumir, de viver mais quanto mais estivermos imersos nas marcas, nas letras e no riso fácil que alguma deidade multinacional outorgou como essencial. Tentam, de todas as formas, assassinar a arte, trucidar a cultura, embalar o cadáver da inteligência e vender seu corpo num funeral funesto, num manjar bento pelo amém das grandes potências e todo o seu praguejar bélico. Tracejam a lenda do ?basta acreditar que tudo dá certo?, a fim de nos empurrar para terreiros platônicos e torpes, irreais por excelência e grau de periculosidade. Moldam o sujeito desde a infância, inculcam a suposta revolta numa juventude burra, fazem a idade adulta transformar sua existência em roldana do capital, e após o rebentar de uma onda icônica que mescla Guevara e Madona num mesmo patamar quixotesco, cospem na cara da filosofia e taxam como louco aquele que vai contra essa engrenagem que cheira a sangue e suor. (...)"
Teremos mais Frizzo nas próximas edições do Diário da Fonte. Dá vontade de publicar tudo, mas isso depende dele. Eis um trabalho que merece ir para o formato de livro urgentemente.

RETORNO - 1. O que me deslumbra na resenha de Diniz é a profundidade da sua análise, a inteligência da sua percepção. O que me arrebata nos textos de Frizzo é a sua radicalidade.Viva o Rio Grande do Sul!
2. Não resisto e comento a cama-de-gato dos chineses. O Diário da Fonte caiu de pau na tal viagem do Lula à China (bem na época que todo mundo achava o tal tour o máximo) pois sabemos que essa grande ditadura apenas concorre, e de maneira predatória, com o Brasil. Agora Lula está se sentindo traído pelos chineses devido à soja. Já estamos sendo traídos há muito tempo: basta ver a pirataria, o contrabando, tudo a céu aberto. E a soja brasileira é mesmo um equívoco: precisamos plantar trigo e não esse insumo da pior indústria de alimentos e do rango para porcos nos países desenvolvidos. Para isso predamos nosso território?