13 de julho de 2004

GLOSSÁRIO DO MONOPÓLIO



Todo monopólio leva à babaquice. Vejam os comerciais de cerveja (financiados por empresas em fusão gigantesca) e seus nã, nã, nã. Ou as Casas Bahia (que é hegemônica na publicidade televisiva) e seu abombadinho, ou seu trio de compra-compra-compra. Ou o tom didático dos apresentadores da Globo (que detém a fatia de leão do Ibope, sinônimo de mercado). Ou os politicamente corretos ongueiros (monopolistas dos bons sentimentos que viram grana). A babaquice é um sacudir frenético de ombros, uma cabeça voltada para frente que emite um olhar patronal, um eterno grasnar de puxa-puxa-puxa-como-isso-é-importante-para-você. A palavras usadas de maneira recorrente são os instrumentos desse tipo de concentração excessiva de poder na mão de meia dúzia. Sem ninguém que lhes faça sombra ou oposição, eles perdem o referencial e se transformam em galvões buenos do texto sem escrúpulos. Para apontar essa tragicomédia, compus um glossário que sintetiza as principais tendências da linguagem babaca que nos assoca e que acaba se refletindo na literatura de mercadinho que impera na mídia (onde o minimalismo profissional é a preguiça elevada à categoria de gênio, a abobrinha sem agrotóxico envolta em celofane).

AFINAL - Ou seja, só pode ser assim, seu idiota, não vê? Tudo o que está sendo escrito leva a um afinal, pois as coisas são como são, ou seja, como dizem que são, e ai de ti se discordares. Afinal, és ou não ou um bola murcha, que a tudo aceita sem pestanejar?

COM CERTEZA - O com certeza é uma viga de aço que sustenta o universo. Essa viga se alimenta da repetição. A cada milionésimo de segundo, alguém tem que dizer com certeza na mídia, sob pena de o universo sucumbir em desencanto, irracionalmente. Veio daquela coisa da casa portuguesa e alastrou-se como vírus mortal. Qualquer portuguesa é sempre irremediavelmente com certeza, assim como 51 é eternamente uma boa idéia. Jamais pronuncie o número 51 sem o complemento uma boa idéia. Os publicitários acham essa babaquice o máximo.

JORNALISMO DE BREQUE - É aquele noticiário que faz uma pausa para criar suspense antes da conclusão da fala, para deixar o telespectador com água na boca. Certo? (breque) Errado. Antes de tratar dos (breque) sem-terra, é preciso tratar dos (breque) com-terra, diz o festejado analista político. O breque dá status ao repórter/comentarista. Se ele faz breque, ele é bamba. Certo?

CONFIRA - O leitor agora virou fiscal. Tem sempre que conferir alguma coisa. Nos sites corporativos, o confira impera sem restrições. Como parece obrigatório usá-lo, costuma-se chegar ao cúmulo de mudar o sentido original da palavra. Por exemplo: o jogador ao bater o pênalti foi lá e conferiu. Conferiu o quê, madame?

ESSA-GENTE - São o povinho pobre e brasileirinho, que merece todo o carinho milionário da televisão bem remunerada. É de chorar quando a repórter bem intencionada vai lá entrevistar essa-gente. Perdi tudo, diz algum exemplar do essa-gente, quando vem enchente, incêndio ou coisa que valha. Essa-gente não tem mais onde morar, denuncia o/a repórter. Todos sentem peninha de essa-gente. Quando essa-gente melhora de vida, vira capoeirista ou é aplaudido pela Angélica. Essa-gente é expressão politicamente correta, que se opõe às clássicas gentinha ou gentalha. Nos textos doa analistas bem fornidos, vira choldra ou patuléia.

ESTÁ FRIO? - É o bordão do povo-fala das TVs. Faz frio e lá vem um povo-fala. Com certeza, respondem sempre, está frio mesmo. Puxa-puxa-puxa.

JÁ,JÁ - Medida de tempo que pode durar dez minutos de propaganda. É para disfarçar que você está vendo mesmo é publicidade e que o programa é só um chamariz para ficares plantado no teu trono, ô da poltrona sem movimentos. Nem tenha a ousadia de levantares daí, que o cardápio anunciado vem daqui a pouquinho. É pá e bola como diria o Elias Jr. (aquele que dizia para o Luciano do Vale: patrão, se o senhor espirrar, saúde!).

NÃO É PARA MENOS - Nunca é para menos. Quer dizer: invariavelmente teria que ser assim. É um sinônimo de afinal.

SÓ PARA TER UMA IDÉIA - Jamais tenha duas idéias, é proibido. Você só pode ter uma. O complemento é não pensou duas vezes. Para ter uma só idéia, você tem que pensar uma só vez.

TARTARUGAS E CAPOEIRAS - As ongs cuidam de preservar as tartarugas e ensinar capoeira (essa-gente serve mesmo só para isso). Faz sentido. Como as tartarugas duram 80 ou cem anos, daqui a pouco o planeta estará infestado. Então, só aprendendo capoeira para enfrentá-las. As ongs cuidam do futuro da chamada essa-gente.

RETORNO - O grande editor Jesus Gomez, de La Insignia, publicou meu ensaio sobre A Vampira do Lago, de Tailor Diniz. Urariano Mota, que difundiu meu romance aos quatro cantos da terra com um texto maravilhoso, me apresentou Gomez. Tailor publicou na revista Aplauso um ensaio brilhante sobre Universo Baldio. Eu revelo um romance magnífico ainda inédito. Somos nossa própria descoberta. Escritores unidos contra o monopólio da informação. Que nem se conhecem pessoalmente, somos barcos à deriva no mar da Internet. Nada temos em comum a não ser a paixão pela palavra e a vontade de respirar. Viva a revolução! Cara, como é bom lutar.

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