22 de outubro de 2004

O QUE É REPORTAGEM?

Reportagem é tudo o que o repórter apura. Se o jornalista tiver sorte, é também tudo o que ele consegue divulgar a partir do seu trabalho de campo. Há, portanto, dupla natureza na reportagem: é a maçaroca de dados apurados e a versão final, publicada. Em ambos os casos é preciso que o jornalista comande o espetáculo. Ele é quem compõe a fala da reportagem. Sua fala não pode estar a reboque das falas alheias, mas sim o contrário. É por isso que esta profissão precisa da ética para se realizar, já que se ampara na confiança do leitor no repórter, mais do que na confiança do repórter nas fontes. Para que haja reportagem, basta ter repórter. É dispensável o chamado gancho, que não passa do marketing da notícia (quando só se divulga o que a publicidade dos eventos justifica como notícia).

DIRETAS - Estive nas Diretas, a serviço da revista Senhor, da Editora Três, comandada por Mino Carta. Convocado, junto com toda a redação, fui na Praça da Sé e me apertei junto com o milhão de brasileiros que lá estiveram para derrubar uma ditadura, mas que acabaram ganhando outra, de graça, conduzida agora por aqueles que estavam no palanque vociferando contra os militares (estes, tinham apenas parte da responsabilidade). Lembro que naquela época a Rede Globo boicotou as diretas, não deu nada em seus noticiários. Pois agora tem uma exposição sobre o grande acontecimento, onde a Globo (não tem para ninguém) torna-se o astro principal. Aparecem então as manifestações reportadas pela rede. Pergunta: essas imagens foram ao ar, em tempo real, naqueles anos tão decisivos? Lembro que não. Pelo menos no primeiro momento, quando era preciso repercussão na mídia para que o movimento não esfriasse (mas as Diretas foram maiores do que o gargalo da imprensa). A Senhor e a Folha assumiram quase sem companhia essa pressão gigantesca das massas por liberdade. Mas a Globo tudo reduz ao seu universo tacanho. Vejam as vinhetas dos intervalos: cultura popular é plim-plim, tudo é plim plim. Nos programas de auditório, sempre aparece alguém global que faz papel de alguém. Ou seja, a Globo é pescador, é feirante, é tudo. E o impressionante é que não pára de ganhar prêmios. Todos os dias as figurinhas carimbadas da Globo aparecem em algum palco ganhando estatuetas, mimos, beijos, abraços e flashes pipocando. São monopolistas, mais do que hegemônicos. Chutam o escanteio, cabeceiam e ainda defendem a bola, mas ao mesmo tempo fazem o gol. Não tem para ninguém, só para eles. Tudo o que fazem tem um tom que explode o babacômetro (quem aguenta as sacadinhas espertas do Globo Esporte?). Aliás, falando em babaca, a grande revelação é o Carlos Nascimento. O cara é contra a CLT, gargalha da repórter que se assustou com a explosão de algo atrás dela numa cobertura ao vivo, faz comentários sem nenhuma consistência, adianta o que Boechat vai dizer, se faz de engraçadinho para as jornalistas do tempo e assim por diante. Acho que já provou o suficiente. Pode voltar para a Globo. Está perdoado. Lembro outra coisa: para onde foi Jorge Kajuru, demitido no ar numa transmissão comandada por Nascimento, quando foram denunciados os privilégios num jogo em Belo Horizonte?

ESCUTEM - A falta de responsabilidade dos repórteres com suas reportagens é fruto da repressão nas redações. Os jornalistas então decidiram terceirizar tudo. Por isso existe tanto de acordo, segundo fulano, conforme sicrano. É um empilhamento de falas alheias sem que o repórter coloque nelas suas mãos, a não ser para fazer costuras toscas (por outro lado, também, faz coro etc). A luta de todo editor é desvincular esse tipo de vício dos processos narrativos do jornalismo. Uma das fontes para conseguir superar essa dificuldade, além de muito mais leitura de tudo (leiam livros, pelo amor de Deus! não façam cara de espanto quando falo em Hemmingway! Hemmingway não!) é chamar a atenção para a riqueza da fala oral. Uma matéria costuma ficar muito mais interessante quando é contada. Por que torna-se tão burocrática quando escrita? A partir da própria escolha de palavras ditas em voz alta, é possível conseguir insumos magníficos para um texto (tecido, trabalho árduo) com muita mais qualidade, ou seja, com mais força, atratividade, encantamento. Falei insumo. Não vá reproduzir sua história dita em voz alta diretamente para o texto, sem trabalhar nada. Não confunda o que estou dizendo. Não reduza um aconselhamento ao preconceito que você tem contra alguma coisa. Não coloque na gaveta conhecida o que você acaba de ouvir. Ouvir é entregar-se, duvidar de si mesmo. Corte seu diálogo interno. Não confunda espírito crítico com teimosia pura e simples, teimosia sem nenhuma base. Escutem: a vela queima. Escutem: a fruta tomba na varanda. Longe, longe o menino anda. Escutem o calor da moça irradiando. Sua trança cresce em silêncio.

DIALÉTICA - Quando você ouvir uma crítica, não a encare como uma condenação eterna. Não se entregue à metafísica mal assimilada. Mergulhe um pouco na cultura dialética e acredite que você será muito melhor. Ninguém nasce sabendo nada. Também não acredite em quem se especializa em acabar com sua auto-estima. Você é herói, abrace seu destino. A reportagem que você está fazendo é a última batalha sobre a terra. Esse é seu ofício. Veja o caso de Romário. Ele não tem carreira, tem uma vida. Não vai se retirar porque os outros mandaram. Ele vai para o Vasco em 2005 e depois poderá ir para o Olaria, o Madureira, o Bangu, o América. Ele vai palmilhar cada pedaço de campo do país (já que no próximo dia 8 vai se despedir do Exterior para sempre), cada poeira de terreno calcinado dos estádios do interior. Ele vai deixar sua marca em toda a extensão da grande nação, a terra que ele ajudou a resgatar. Como Burt Lancaster que cruzou todas as piscinas do seu bairro num filme inesquecível, Romário dirá, até sumir por completo: O dia está glorioso. Vamos jogar futebol. Assim será com você. O dia está glorioso. Vamos fazer reportagem. Vamos ser jornalistas. Tem para todo mundo.

RETORNO - Canhoto da Paraíba agora é Mestre das Artes. Urariano Mota, que divulgou o abandono do gênio em rede nacional, pula de contentamento, mesmo sabendo que tudo isso ainda é muito pouco. Saiba tudo sobre essa vitória.

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