18 de janeiro de 2005

OS DONOS DA TV NO INFERNO




Estavam todos lá, em volta da mesa preparada pelo Mal. Esfregavam as mãos de tanta ansiedade, pois eles queriam comentar o que aprontaram no Brasil Indefeso, uma invenção que não é só deles, mas da qual fazem parte como pilares sólidos. Grande Irmão, Moralista Universal, Palhaço Gargalhada e John Barrinhos tiraram de repente suas máscaras e se revelaram: atrás do bigodinho mofino de um, da careca respeitável de outro, da vozinha do catequista impoluto, da risada sinistra, estavam as caratonhas vermelhas do Inominável. Quem toma a palavra? O critério é o Ibope, claro.

TRAÇO - Vou abordar nossa maior invenção, diz Grande Irmão, que fala sempre no plural majestático, já que se acostumou a fazer parte de um clã, todos com o mesmo nome, para que confundam e não identifiquem um centro do Poder Absoluto. Nossa maior invenção não é sempre fazer a mesma novela durante quarenta anos e impingir ao povo o dia inteiro, isso nem é maldade, é pura alegria. Também não é mentir o tempo todo no noticiário, para que a política fique na nossa mão e a gente possa extorquir bilhões de dinheiro público, já que os bonequinhos que colocamos lá nas cadeiras dos governos fazem parte da nossa coleção de marionetes. Também não é selecionar gostosonas para animar programa infantil, só para subornar a criançada masculina e ensinar a meninada feminina a ser vaca desde a mais tenra idade, coisa que é reforçada pelas empregadas das novelas, que estão sempre levando descompostura de patroas de todas as idades. Também não é comprar todos os espaços da transmissão esportiva e só devolver ao público um monte de abobrinhas, ditas por apresentadores babacas que sacodem os ombros de tanta patetice, deixando o esporte escondido na gaveta. Ou ainda comprar todos os filmes do mundo e não transmitir nenhum, apenas as asneiras americanas e aterrorizantes, para que a população possa sentir muito medo e se imbecilizar ao máximo. Nossa maior invenção, além da interrupção comercial a cada dois segundos, ou o merchandising do café da manhã ao horário nobre, é o Programador do Traço. Ao dizer isso, Grande Irmão olhou para as ferozes caratonhas ao redor, que se espremiam para não rebentar em riso convulso. O Programador do Traço é aquele ente que colocamos na madrugada, que fica olhando fixamente para o Ibope online. Na hora que firmar bem o traço, ou seja, quando houver zero audiência, quando todos forem dormir exaustos de esperar para ver algo que preste, ele então coloca Shane, de George Stevens, A Ostra e o Vento, de Walter Lima Jr., algo inesquecível. Essa é a nossa maior maldade. E se por acaso as pessoas levantarem para tomar água e sem querer ligarem a TV e o Ibope começar a subir, a gente improvisa e coloca uns trinta minutos de Big Brother. Aí então é uma maravilha. Volta à estaca zero.

BOLUDOS - O Big Brother é uma grande invenção, continuou Grande Irmão. As pessoas agrupadas compulsoriamente num espaço fechado, pessoas desconhecidas que estão ali apenas pela ambição de serem famosos e ganharem um milhão de reais, pessoas que não formam uma família, é a representação perfeita do público que queremos formar e ter sempre para nós. Um público fechado em si mesmo, no individualismo doentio, pessoas vazias de tudo, numa casa que não possui um livro sequer, se agredindo mutuamente e consumindo coisas. Isso é um espetáculo para o público real: ver vagabundas coçando a bunda no banheiro, idiotas abrindo as pernas peludas para a câmara focar a zona castral, onde se destacam volumes de boludos insuportáves. Ah, isso é a pura delícia. E ainda mais colocamos um poeta, digo um pateta apresentando a porcaria. Mas o Big Brother é só para preencher aqueles claros da programação em que as pessoas teriam alguma esperança de ver algo que preste. Serve para aumentar o desespero e assim deixá-los todos na nossa mão. Não é o plano perfeito?

GALINHONA - Depois dessa explanação, pouco tenho a dizer, falou Barrinhos. Minha maior invenção é o Gilberto Barros. Colocar dois quilos de pancake na cara fofa dele e obrigá-lo a fazer cara séria para perguntar à Rita Cadillac se ela tinha feito o teste do sofá, e ela responder que sim, é realmente o ponto alto da espiritualidade do Mal, que encarnamos. O Show da Fé, aquela coisa execrável em pleno horário nobre, é outra invenção supimpa, mas nada se compara ao Gilbertão, que está batendo recordes: vamos conseguir que ele fique 24 horas por dia no ar, de segunda a segunda. Mas não posso deixar de citar os filmes de porrada, que adoro transmitir. Parabéns, interrompeu a vozinha do Moralista Universal. Isso até ganha dos meus programas de exorcismo. Meu plano é fazer a televisão que o meu povo pediu para que eu possa implantar minha igreja em todas as mentes do País. Acho que vou conseguir. Sou apoiado pela isenção do Imposto de Renda para religiões. Arrecado zilhões dos trouxas nos cultos e invisto na minha rede. Palhaço Gargalhada falou por último. Como decano do Mal, teria muito a dizer, mas viu que seus discípulos aprenderam bem a lição. Ei, Moralista, vamos trocar novamente: te devolvo a Galinhona e tu me traz de volta o Pedófilo do Fim-de-Semana, que achas? Rá rá raiii.

RETORNO - Claro que isso jamais seria dito na mesa do Mal, pois seria uma falta de gentileza, mas outra grande invenção do Grande Irmão é dispensar profissionais de todos os calibres e níveis para tentar imitar a líder nos outros canais. Isso mantém firme a posição no ranking. Ninguém tem o cacife de reproduzir o espectro global. Gastam-se milhões em nomes famosos para que façam uma clonagem estúpida do que conseguiram aprontar na rede maior. Sempre dão com os burros nágua e a coisa se mantém intacta. É preciso citar também a sacanagem com a TV a cabo: criaram um monte de canais que são simplesmente reprodução das barbaridades da TV aberta. E o que é melhor: cobram caro e colocam um monte de propaganda. O Mal não tem fim na televisão brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário