1 de abril de 2005

AQUELE PRIMEIRO DE ABRIL



O primeiro de abril de 1964 é a confluência, numa só ditadura, de dois projetos, um das Forças Armadas e outro do estamento (conceito de Raymundo Faoro) político e econômico. As Forças Armadas usaram o estamento para assumir o poder, mas o que aconteceu de fato foi exatamente o contrário. Foi o poder civil que deu o golpe usando a insatisfação militar (os governadores de direita de Minas, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro prepararam o golpe e a farda serviu como faísca). Por meio da farda, a direita civil eliminou fisicamente a oposição (colocando em seu lugar a pregação santificada de anódinos como o pessedista Ulysses Guimarães) e implantou o arrocho financeiro da pirataria internacional (que odeia o parque industrial da era Vargas), via ministros civis da economia, como Bob Fields, Bulhões, Delfim Neto e Mario Henrique Simonsen, entre outros. Serviu para o Brasil alinhar-se com submissão à direita americana. A farda e o estamento no fundo cumpriram o projeto americano de sucatear o Brasil soberano. A primeira coisa que fizeram foi acabar com a educação, depois com a saúde, depois com a moeda. Mas havia um empecilho: os resquícios nacionalistas de uma parte das Forças Armadas impediam que fossem entregues as estatais, as estradas, as jóias da coroa. A farda foi então descartada em 1985 por meio da eleição indireta (e a morte suspeita de Tancredo Neves) para que Sarney e Collor, na frente, FHC, depois, e agora Lula, completassem o serviço. A democracia de cartas e urnas marcadas serve para consolidar o regime de 64, que destruiu a cidadania brasileira. Hoje somos reféns dos ladrões de todos os calibres, que se servem do país, potro morto à beira da estrada sendo devorado por urubus.

FRONT ? A direita do jornalismo adora o regime de 64. Nele a mediocridade encontrou motivos e brechas para eliminar o talento das redações e assumir o poder. A versão mentirosa, então, de tão repetida (como ensinava Goebels) tornou-se verdade. A satanização do getulismo, a desmoralização do trabalhismo, a crença no mercado e no neoliberalismo, ódio às lutas populares, a eliminação da reportagem (que se fosse em frente descobriria tudo) fazem parte de um acervo que fechou as portas da inteligência e da cultura na mídia impressa (com honrosas exceções) e na difusão audiovisual. Não há um só intelectual importante com espaço no rádio e na TV, a não ser em aparições esporádicas. No Brasil, intelectual é nome feio. Recebo de Wendel Martins algumas edições revista Reportagem da Oficina de Informações (telefax 11- 3814 9030) , de Raimundo Pereira (o mesmo de Opinião, jornalista de resistência que é paradigma da profissão), e nela encontro, entre muitas preciosidades (a revista já tem cinco anos, já ouviram falar?) uma bela matéria sobre nosso intelectual maior, Roberto Schwarz. Eu, se tivesse acesso a alguma grade na televisão, colocaria Schwarz diariamente, por cinco minutos em horário nobre, para falar em frente às câmaras. Colocaria Edu Lobo (que tentou reaparecer, mas ninguém deu pelota), Nanci Leonzo (a maior especialista em forças armadas no Brasil, já ouviram falar?), Istvan Iancsó ( um dos maiores historiadores do Brasil, húngaro de nascimento e formação), colocaria no ar toda a produção do cinema nacional que está na gaveta (especialmente as produções mais recentes, rapidamente esquecidas). Mas não tenho acesso a grade nenhuma, a não ser a grade da prisão de um telespectador, à mercê dos Alexandre Pires (por que, meu Deus?) o cantor Daniel (por que, meu Deus?), Zezé di Camargo e Luciano (por que, meu Deus?), todos os dias, em todos os horários. Por quê? Porque vivemos numa ditadura.

FARDA E TERNO - O projeto militar veio de longe. Começou com a Questão Militar no Império, atingiu seus picos na República, nas presidências de Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, no Estado Novo, e desaguou nos golpe de 45 e de 64. As Forças Armadas fizeram um brutal esforço pela sua unidade. Vieram estraçalhadas dos anos 20, se repartiram violentamente nos anos 30, mas a partir de 37 conseguiram um consenso. Mas sempre houve conflito interno. Hoje, oficialmente apóiam o golpe de 64 (que acreditam ser delas), apesar de cumprirem a palavra de não intervenção desde 1985. Os soldados brasileiros são homens de palavra. Mas a cultura da intervenção deve ser totalmente erradicada, ou jamais teremos democracia. Uma democracia verdadeira deve começar com a desconstrução de 1964. Enquanto houver ditadura, estaremos fritos. É preciso fazer oposição frontal a esse regime espúrio, que serve apenas para repartir o butim entre os abutres.

RETORNO - A Ditadura informa: 1. Está aprovada a realização, na Câmara dos Deputados, de duas audiências públicas para discutir, na Comissão da Amazônia, o projeto de lei enviado pelo Executivo que permite a concessão a empresas privadas, por até 60 anos, de 13 milhões de hectares de florestas públicas (130 mil km², área equivalente a quase seis vezes o Estado de Sergipe). Pretende o governo que seja votado em 45 dias. 2. Mataram 31 pessoas na Baixada Fluminense ontem. Os corpos foram jogados no meio da rua. 3. O Brasil passou da décima quinta para a décima segunda economia no mundo (Como disse o ditador Médici e repetiu Frei Betto com outras palavras: a economia vai bem, mas o povo vai mal. Como se economia e povo fossem criaturas separadas. Economia é povo alimentado e com liberdade para cumprir seu destino).

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