20 de abril de 2005

DOIS PAPAS E UMA GUERRA




Há 60 anos vivemos sob a influência e o estigma da Segunda Guerra. A hegemonia americana, o fruto mais evidente e perene do conflito, mais a vingança contra o nazismo, o mais longo tribunal da História, resultam, entre mil eventos, na invasão e assassinato em massa no Iraque. O terrorismo árabe veio da geopolítica (definida no pós guerra) mal resolvida do Oriente Médio, em que se erradicou uma nação, a Palestina (que só agora volta precariamente à tona) em nome de uma revanche que parece não ter fim. Karol Woytila e Joseph Ratzinger estiveram, por contingência, em lados opostos e foram suas vítimas. A partir do seu sofrimento, da exclusão que sofreu e da experiência dolorosa na Polônia invadida, Woytila, como João Paulo II, levou o perdão aos confins da terra. A partir do seu engajamento compulsório nas hostes hitleristas, da sua experiência como prisioneiro do lado dos vilões, Bento XVI pode ser o sinal de que a Segunda Guerra enfim poderá encerrar seu ciclo de ressentimentos. Crer nisso não significa ser crédulo, mas sim colocar a fé no território sagrado do Espírito Santo. O que parece ser um retrocesso ao conservadorismo da Igreja, poderá ser um avanço para que se encerrem de uma vez as justificativas para a mortandade sem fim.

ÓDIO - Nunca é demais lembrar que o nazismo não é resultado da maldade intrínseca dos alemães, povo admirável em todos os sentidos. Mas sim do espírito revanchista dos aliados, que impuseram a humilhação dos tratados de Versalhes, insumo para a fogueira acendida por Hitler. A exclusão da Alemanha no jogo das potências resultou no conflito. Não perdoaram a Alemanha por ter entrado na Primeira Guerra e por isso levaram o troco. Como também não perdoam o nazismo, o neonazismo volta com tudo, pois ele é alimentado pela revanche sem limites. Ontem, vi uma cerimônia em que se homenageava um diplomata brasileiro do tempo do Estado Novo (ué, Getúlio não era anti-semita, como repetem alguns scholars?) que tinha salvo vários judeus, enviando-os para o Brasil e retirando-os da conflagração. Os parentes idosos do herói receberam a comenda. Não podemos esquecer, disse o responsável pela cerimônia. Vejo também que estão construindo gigantesco mausoléu sobre o Holocausto. Há também as dependências intactas de Auschwitz, troço que já deveria ter sido derrubado há tempos. Tudo isso alimenta o ódio. Os alemães jamais serão perdoados? Já que não tem saída, qual o resultado? Mais ódio. Como diz a tradução do aramaico do Pai Nosso: Desfaz os laços dos erros que nos prendem, assim como nós soltamos as amarras com que aprisionamos a culpa dos nossos irmãos.

BÊNÇÃO - Um papa alemão poderá ser a solução: exorcizar os maus espíritos herdados do morticínio, dar por encerrado o longo processo de vingança e finalmente apostar na paz entre os povos. Ter seis milhões de irmãos eliminados covardemente, por mais doloroso que seja, não justifica a presença militarista e ostensiva de um estado belicoso na Terra Santa. Paz com Bento XVI, que veio para jogar água benta na ferida que não cicatriza. Paz para a continuidade da obra de João Paulo II, que fez seu sucessor. E paz nas missas: acabar com os shows do padre Marcelo Rossi e os exageros carismáticos será uma bênção para católicos como eu que não agüentam tanta falta de sobriedade no ritual. Estive numa missa em que o padre fazia os idosos pagarem o maior mico apresentado-se na frente do altar com suas cabecinhas brancas. Como sou da área, fui me retirando. Era o que me faltava, assumir o papel de Terceira Idade num ritual religioso. Dêem um tempo!

MAU GOSTO - O desafio é lutar pela paz apostando na tradição doutrinária, é manter equilíbrio no trato com as teologias emergentes, é não escorregar em momentos políticos importantes, em que é preciso tomar decisões (como a acertada condenação de João Paulo II em relação ao Iraque). O que tem me irritado é a mesmice conceitual da mídia, que fica falando sem parar em Papa da transição, como se a História evoluísse racionalmente de uma coisa para outra. Thomas Kuhn já provou a irracionalidade que existe nas mudanças de paradigmas das revoluções científicas, imagina no resto da História humana. Não existe nada em transição. Todo o tempo é completo em sua redoma específica. O que falta nas redações são bibliotecas, com bibliotecária responsável cobrando leituras e criação de papers. Os jornalistas dispõem de uma exposição múltipla e exagerada em relação ao seu preparo intelectual. O famigerado Cony, por exemplo, comparou a Igreja a uma associação de filatelia ou numismática. Não há limites para o mau gosto intelectual.

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