11 de abril de 2005

O GUIZO NO GATO




Voltamos à chacina da Baixada, em que morreram 30 Dorothys. Surpreendentemente, Fernando Gabeira e Ferreira Gullar publicaram algo que preste nos jornais de domingo. Gabeira toca na ferida, a de que não adianta querer fazer omelete sem quebrar os ovos, ou seja, não adianta falar em segurança pública se você não enfrentar o touro a unha, se não fizer algo realmente inovador nessa área e desmontar a herança maldita dentro das polícias. E Gullar, com seu assustador artigo Um passarinho me contou, explica como funciona o sistema de cotas diárias e achaques nas tropas de segunda linha (os exércitos estaduais) no Rio. O Jornal o Globo, em reportagem antológica de capa, mostra como foi: os assassinos se entupiram de karaokê pseudo-sertanejo e cachaça (duas drogas letais) num bar e saíram atirando, passando antes impunes por barreiras policiais. Estavam armados e drogados. Mataram inocentes. Por que? Porque o Brasil é a favor das chacinas, o Brasil quer matar a esmo. Mas há uma chance: vi pela primeira vez (deve existir outros exemplos, mas esta foi a primeira vez que eu vi) policiais participando da passeata de protesto dos moradores que tiveram seus parentes e vizinhos chacinados. A honestidade teve a coragem de mostrar a cara, ou foi apenas relações públicas? Quem vai colocar o guizo no gato? Quais as chances que temos?

FAZENDEIROS - Sabemos, Gabeira, que o sistema não desmontou a corrupção na polícia porque somos governados por homens covardes. Para que essa longa viagem à África? Para conseguirmos votos para entrar no Conselho de Segurança da ONU? Mas não temos segurança em lugar nenhum, como poderemos fazer parte de uma coisa dessas? Um presidente da República sério, em vez de viajar, deveria sentar praça na Baixada e em todo o lugar onde houvesse necessidade de uma intervenção de emergência, sítios conflagrados. Vejam o caso do Pará. Seriam fazendeiros, mas fazendeiro é outra coisa. Nasci num lugar de fazendeiros. Na minha escola, eu tinha colegas filhos de fazendeiros, vindos de todos os lugares do Rio Grande, como Luis Fernando Escobar, de São Borja, meu melhor amigo no ginásio, José Luis Pons, de Uruguaiana, a gentileza em pessoa, além de José Antonio Arriaga (que estudava no Dom Hermeto, modelo de colégio público), médico com experiência internacional, que fez o bem de ir pegar um autógrafo do meu romance na Feira do Livro em Porto Alegre o ano passado. Em Porto Alegre, fui colega de Wálmoro Paz, baita jornalista, lúcido, crítico, um cara que via na frente o tempo todo e que até hoje mora na cidade natal, São Borja, onde a família possui fazenda. Na infância e por toda a vida tenho o privilégio de ser amigo de Cabeto Bastos, o mais cavalheiro dos uruguaianenses. São de famílias tradicionais, filhos de fazendeiros, numa terra de grandes propriedades, mas não de chacinas. Terras herdadas da luta, em vários sentidos, da guerra contra os castelhanos e do trabalho duro. Terra de política e de debate, núcleo trabalhista, enclave ferroviário da era Vargas, cidade onde se digladiavam posições as mais opostas e que chegaram a lutar mesmo, mas uma luta política, que definiu o perfil de um povo guerreiro e livre. Na região do Pará, o que temos em geral são grileiros de terras sem lei, que fazem qualquer negócio para prosperar. Gente de caratonha violenta, que jamais convencem quando juram inocência.

FRONTEIRA - O que precisamos para ter paz? Precisamos, desculpem insistir na tecla, do Brasil soberano. Quem nasceu numa fronteira como eu, sabe: fronteira é a melhor coisa que tem. Não houvesse fronteira, não teríamos sossego. Pois precisamos de sossego público, garantido por lei de fato. Não há fronteira na Amazônia, é terra de ninguém. Não há limites na Baixada, é zona de guerra. O que garante uma fronteira? Espírito público, tropas estacionadas norteadas pela ética, gerações de convivência pacífica e democrática. O governo não pode ser conivente com milícias de fazendeiros, com grilagem de terra pública amparada em cartório, nem com invasão de terra nenhuma, por parte de ninguém. Um sujeito não podem chegar numa cidade, comprar o escrivão, se apropriar de terras públicas, virar fazendeiro da noite para o dia e contratar pistoleiros para defender o patrimônio surrupiado à nação. Como também não pode deixar que outros sujeitos entrem numa fazenda e acampem com seus plásticos pretos. Para mim, os dois lados estão errados, basta olhar seus líderes. O estalinista líder do MST (o cara do abril vermelho) e a gang do Taradão têm o mesmo estofo. São meliantes, precisam de lei, de Brasil soberano, que faça enfim uma reforma agrária justa e não transforme a necessidade de terras num cabide de empregos.

RETORNO - Camille Paglia, pensatriz americana que já foi moda, dá entrevista para Arthur Nestrovski no Mais!, da Folha, para divulgar seu livro intitulado "Prendo, quebro e arrebento", ou algo assim. Arvorando-se a rainha da cocada preta da cultura, Paglia chicoteia os compositores de rap e hip hop obrigando-os a fazer alguma canção que preste. É batalha perdida. Rap, funk e hip hop são catástrofes culturais e serviram para consolidar (para que a mediocridade triunfe e encha as burras de grana) a demolição da harmonia, da melodia e das letras verdadeiramente poéticas (longe dos atuais "te mato, te estripo, te como porque sou cachorra" e lá vai mecha). O livro dela é sobre canções. Uma de Joni Mitchell, Woodstock, teve intrigante tradução do entrevistador. O verso We are stardust foi traduzido por Gente brilha, o que dá ao translator status de Silvio Santos. A tradução é óbvia: Somos pó de estrela. Ou enlouquecemos todos?

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