14 de julho de 2005

O DESTINO É COMO AS DUNAS




O destino é como as dunas: define a paisagem humana, mas pode mudar de lugar. Composto de areia e vento, ele migra e nessa viagem, às vezes, aproveita a chance de desaparecer. O tenente inglês T. E. Lawrence tinha o destino marcado: era filho bastardo de um nobre e por isso não estava em condições de subir na pirâmide social (não existe ascensão quando a marca da nobreza define a posição na vida; foi por isso que a elite da Inglaterra recebeu friamente a celebridade milionária Charles Chaplin, que sempre seria o filho pobre de artista de variedades). Era também um intelectual franzino, não tinha como se impor na carreira militar, ainda mais em época de guerra. Mas ele guardava um trunfo: era inglês, portanto fazia parte desse tipo de gente que saía para torrar ao sol do meio-dia, junto com os cachorros loucos, como definiu Noel Coward em inesquecível canção que virou hino patriótico. David Lean, o mestre que foi formado na equipe do compositor, dramaturgo, poeta e cineasta Coward, interessou-se por esse perfil do tenentinho marginal que enfrentou o destino. O resultado é Lawrence da Arábia, o melhor e maior filme de todos os tempos, a obra magistral até hoje não foi superada por nada nem ninguém.

ÁKABA, POR TERRA - A narrativa do filme, composto de imagens inesquecíveis, destaca a luta do protagonista contra a mutante paisagem do destino. Ela é estruturada como se fosse a versão oficial de autoridades, mas isso é só um gancho para o espectador entrar no mundo complexo do anti-herói. A primeira aparição do personagem é a sua prova de que pode resistir à dor de um fósforo aceso sobre o dedo. Significa que está disposto a contrariar a própria natureza para chegar onde quer. Sua postura diante do general (Jack Hawkins, magnífico como o gorilão sem escrúpulos) é descosturada, anárquica, dispersa. Significa que não tem o perfil de um oficial do exército britânico. Sua viagem para o coração do deserto é feita entre dunas que se movem com o vento. Representa a procura de um lugar naquela paisagem misteriosa. Tudo é pontuado por sua reflexão obsessiva que deságua na decisão de atacar os turcos de Ákaba por terra, o ponto alto de uma trajetória que se coloca como uma opção guerreira, uma visão estratégica inovadora, impulsionada por uma coragem suicida. Há a argumentação para conquistar o apoio das tribos do deserto (lideradas por Anthony Queen, no seu mais contundente papel no cinema), onde mistura versões e fatos para destruir a neutralidade dos potenciais aliados. Significa que o tenente tem condições de desviar o curso dos acontecimentos. Sua vitória em Ákaba, sua travessia de volta pelo Sinai até o bar dos graduados no Cairo (a cena mais impressionante do filme, em que convence os ingleses de que realmente tomou a cidade à beira bar que estava na mão do inimigo): significa que ele toma a vanguarda da guerra, virando a maré a seu favor. E finalmente a queda, quando descobre que está sendo manipulado.

LOUCURA - Seu último esforço, ao tomar Medina, acaba em fuga e tragédia: o herói não consegue dobrar o destino, já que este é formado de todas as dunas e não de uma só.A cena mais explícita é quando ele é obrigado a fazer justiça numa briga entre tribos e vê que a sua vítima é o mesma pessoa que salvou do deserto, quando quis provar que nada estava escrito e que as pessoas podem decidir o que vai acontecer. Seu pânico diante do homem de joelhos é o início da loucura. O tenente Lawrence não consegue dobrar o rumo de sua vida, pois não passa de um imperialista em terras miseráveis e toda a sua luta é encampada pela falta de escrúpulos de políticos e generais. Em pleno descenso, ele fustiga o destino ao se expor numa cidade tomada pelos turcos. Ali cai nas garras de um oficial (José Ferrer, terrível, monumental) que buscava carne fresca para seu prazer. O fim de Lawrence, na versão oficial (que é contestada) é que ele morreu num acidente de moto no interior da Inglaterra. Li A revolta do deserto, livro posterior à sua grande obra, Os sete pilares da sabedoria, um dos livros prediletos de Winston Churchill. É quando Lawrence muda de nome para entrar novamente nas forças armadas. Foi seu último esforço para recompor seu destino.Lá sofre horrores. Estava louco. Estava só diante da própria vida, feita de lágrima e pó. Ficam seus textos e este filme, que levou David Lean, e o ator Peter O'Toole (o definititivo Lawrence) para a imortalidade.

RETORNO - 1. Ademir Assunção, escritor e jornalista, defende o movimento Literatura Urgente ao atacar uma reportagem da Veja. Numa ditadura, Ademir, todas as políticas públicas acabam sendo dominadas pela tigrada. Isso só vai mudar se mudarmos o destino. 2. Julio Monteiro Martins lança o número 20 da sua Sagarana, a melhor revista cultural da Internet. Julio nasceu brasileiro e hoje é também um escritor italiano. Mudou seu destino. Ele anuncia: "Un'intervista inedita con la scrittrice statunitense Joyce Carol Oates, oltre a saggi inediti di Juan José Millás, di Rosa Montero, a racconti di Pier Vittorio Tondelli, Nadine Gordimer e un inedito di Fausto Wolff, poesie di Adélia Prado e di Sylvia Plath tradotte specialmente per la nostra rivista e una Mostra virtuale delle opere dell'artista argentino-canadese Juan Mildenberger. "

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