20 de agosto de 2005

O MERCADO PEGA FOGO




Ao chegar no Terminal do Centro, de Florianópolis, vi e ouvi uma passageira virar-se, escandalizada, para outra e exclamar: "O mercado? Nããão". Pois estava em chamas, desde cedo, o Mercado Público da cidade, que nasceu há mais de um século à beira mar, naquele mesmo local onde passo diariamente para ir até a redação (o mar foi empurrado bem para trás, por meio de um aterro que vi nascer aqui mesmo, quando morava no bairro de Itaguaçu, em 1972). Uma fumaça preta (fruto da combustão do plástico vagabundo dos produtos chineses vendidos no local) subia ao céu e enevoava toda a região. Exatamente no mesmo dia em que o outro mercado, o financeiro, punha fogo às vestes com as declarações do advogado que entregou o esquema de propina em Ribeirão Preto, na época em que o ministro Palocci era prefeito. O dólar subiu, a bolsa caiu. Como só entendo de jornalismo, e não de economia (ou de qualquer outro assunto, já que isso está a cargo das fontes) não sei bem o que isso significa. Como perguntador profissional (o que faz parte da minha profissão) só tenho a declarar o seguinte: por que a economia brasileira do governo Lula é considerada "sólida"? Não cansam de repetir isso em todos os noticiários de TV. Mas basta ligar o rádio e lá está um locutor dizendo o óbvio: de que dependemos da economia estrangeira, que nosso desenvolvimento é fajuto, e deveria voltar a ser endógeno, de dentro para fora.

OPORTUNIDADE - A indústria chinesa é o vírus oportunista que se instala no organismo debilitado da nossa economia. O belíssimo Mercado de Floripa, que perdeu metade das suas instalações no incêndio de ontem, foi invadido pelas quinquilharias produzidas pela grande ditadura do trabalho escravo. Atulham-se nos corredores milhares de porcarias feitas de material de última categoria, com exceções, claro, mas dá para ver do que se trata. No lado melhor do Mercado, acontece exatamente o contrário: os frutos do mar, a convivência cordial, os bares e os pequenos armazéns de alimentos variados, fazem a festa de habitantes e turistas. Procuro passar sempre por lá. Essa parte maravilhosa deveria ser ampliada para todo o local, expulsar o comércio feio que se abrigou nas paredes centenárias. Deveriam fazer como em São Paulo, onde o mercado público foi reconstruído com a mesma concepção de origem, mas enriquecida de novos instrumentos para adequar as instalações às demandas atuais. Essa é a oportunidade. As autoridades acordaram para o grande estrago e dizem que vão reconstruir. Pois deveriam fazer direito, ou seja, transformar o Mercado, em toda a sua área, numa grande vitrina do esplendor de Santa Catarina, terra abençoada para todos os sentidos, especialmente a visão e o paladar.

CRISE - Tentaram blindar Palocci, e parece que vão continuar tentando manter essa operação, mas a crise já estourou as comportas. Como disse o vice Alencar, antes de também ser apontado no esquema de venda de apoio à chapa presidencial de 2002: está tudo muito esquisito, vaca estranha o bezerro. A bonomia coronelista entra em cena com o coringa da ditadura civil, José Sarney, que sem provas sai a campo para defender o governo (assim como não há provas suficientes para acusá-lo). Se não existe comprovação de que o presidente é inocente ou culpado, então devem ser suspensas tanto as manifestações de apoio quanto de repúdio. Vemos os manifestantes subsidiados irem a Brasília dizer para não mexer em Lula, ao mesmo tempo em que o velho cacique do antigo partido da ditadura, o PDS, vai para a tribuna defender o quê? Nomes à parte, já que a imprensa não é a Inquisição, nem deve incendiar ninguém que não mereça de fato, notamos que sempre está em jogo algo nada imponderável, o butim. Porque é disso que se trata: do butim. Quanto cabe a cada um. Quando não mais se entendem, partem para a briga. Essa é a crise: as quadrilhas não se entenderam no reparte. Levam, com o racha, a nação para o buraco. Enquanto isso, o presidente blindado exibe seu cinismo, seu sorriso manco que sempre esteve com ele, sem medo de ser feliz. Com toda essa mordomia, quem haverá de ter medo?

DÓLARES - A economia está "sólida", por enquanto, porque alegremente os dólares são remetidos ilegalmente para o Exterior. Com os bolsos cheios, os plantadores de notícias se regozijam no noticiário. Essa grana deveria ficar no país, para fazer divisas e deixar a nação com força de negociação, especialmente na dívida. Quem tem a bufunfa na mão não precisa ceder em nada. Basta fazer como Celso Furtado mandou: moratória negociada e pagar tudo em poucos anos, atacando o principal da dívida e deixando os juros escorchantes de lado. Já pagamos em onze anos quase um trilhão de dólares de juros. Por isso o país está em pandarecos. Não se constrói mais nada, nossa infra-estrutura está sucateada, com as mesmas praças, ruas, calçadas e estradas, tudo indo para o beleléu. Solidez para quem tem dinheiro dos outros para gastar. Assim qualquer um pode ser ministro da Fazenda.

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