23 de agosto de 2005

PROGRAMAS DE AUDITÓRIO REPRESENTAM O ELEITOR




Assim por cima, contei uns dez programas de auditório na televisão brasileira: Faustão, Raul Gil, Gilberto Barros, Tom Cavalcanti, Silvio Santos, Gugu, Sergio Groissman, Hebe, Ratinho, Márcia Goldsmith e por aí vai. O que significa isso? Fórmula que dá certo no Ibope? Acredito que não. O programa de auditório é fundamental para a ditadura civil. O auditório representa o povo. É uma claque comprada, convocada, submissa, manipulada, subornada, iletrada, ou seja, é tudo o que a tirania quer da população, para poder desvirtuar o direito sagrado do voto. O que fazem as campanhas políticas? Usam o mesmo esquema. A imprensa informa que as garotas de programa (olha a palavra aí de novo) eram contratadas, entre outras coisas, para rebolar nos comícios, para atrair gente com suas performances e curvas. A claque contratada para sacudir bandeiras e gritar em praça pública é depois reproduzida nos noticiários e no programa eleitoral gratuito. Fica a representação pela coisa em si. O povo no fundo não se manifesta (apenas engrossa um esquema já definido, quando participa). O povo é espectador e vota útil, que é o novo nome do voto de cabresto. O eleitor tem assim a sua arena pseudodemocrática: o programa de auditório, que laça o rebanho e ajuda a levá-lo para o matadouro.

CATEQUESE - É por isso que todo apresentador de programa de auditório é um catequista. Ele convoca o rebanho, coloca-o naquele espaço de manipulação, apóia-se na claque e olha firme para as câmaras. É o momento de passar o recado. Vejam Faustão, por exemplo. Ele adverte, ele catequisa, ele justifica, ele orienta, ele ensina. Suas expressões definitivas, como o já manjado mais do que nunca, significam a palavra final sobre todos os assuntos. Por décadas, Hebe fez campanha para o Paulo Maluf, olhando firmemente nas câmaras e enviando beijos no coração (expressão imitada por tanta gente que chega a assustar). Gugu Liberato é uma contrafação semelhante: ele usa os expedientes mais apelativos e fica com aquela carinha de adolescente tardio, de falsa inocência lambuzada de pancake. Silvio Santos é o autoritarismo que se quer sedutor, impondo caminhos (vem para cá, vem para cá, vai para lá) e tendo certeza que compra todo mundo acenando com a falsa ascensão social via jogo lotérico. No tempo em que eu tinha TV a cabo, olhava os programas de auditório que ensinam as crianças a fazer sexo adoidado por meio do encontro fortuito e arranjado. No geral, o programa de auditório usa as frustrações da claque, que representam as necessidades jamais atendidas do povo, para serem saciadas por pão mofado e circo bandido. E tudo fica como está. As empresas patrocinam e a coisa se espalha como uma doença crônica, da qual parece que jamais sairemos. Como sair, se não há oposição?

CABEÇAS - Tenho visto pouco a Ana Paula Padrão e seu noticiário das sete e quinze da noite. É simples: o SBT, aqui onde moro, nem sempre pega na TV aberta. A Globo sempre pega, para isso dispõe de três canais, pelo menos na minha TV. A Record também costuma sair do ar, a não ser na madrugada, quando inocula o vírus do fanatismo e do obscurantismo na população despreparada e assustada. Nenhum programa verdadeiro de arte e milhões de pastores dizendo asneiras por vários canais e programas. Para onde fomos? Para a anti-reflexão, para a anti-arte, para o anti-conhecimento. Fomos para o buraco e nele nos refocilamos. Isso é impulsionado pelo sistema televisivo, onde impera a TV aberta. Quem tem cabo não se dá conta que no Brasil o que manda é o sistema aberto, que atinge os grotões, as periferias, a classe média proletarizada. Nesses territórios longínquos, manipula-se o sinal do jeito que se quer. As estações repetidoras costumam ficar a cargo de poderosos de plantão, jamais na mão de quem poderia mudar a situação. Se me dessem um espaço qualquer na TV, convidaria as maiores cabeças do Brasil para ocupá-lo. Eu nem iria colocar a cara no vídeo. Deixaria rolar. Custaria menos do que meio minuto de anúncio de estatal em horário nobre.

RETORNO - 1. Agradeço à professora Lia Colome que me convidou para participar da homenagem a Donaldo Schüller em Videira, SC, dia 18 de agosto. Meu texto sobre o grande intelectual foi destacado no evento para o filho ilustre da terra. 2. Agradeço ao Cícero Galeno Lopes por me enviar seu livro Viagem, editado pela Movimento e que tem prefácio meu sobre a obra do escritor e professor. 3. Agradeço ao Mestre Moacir Japiassu por me fazer um convite magnífico relacionado com seu novo romance, que sairá pela Francis. Mais tarde digo do que se trata. 4. Parabéns a Miguel Ramos, que provou mais uma vez ser o maior ator do Brasil ao ganhar o Kikito em Gramado como melhor ator coadjuvante (filme Cerro do Jarau, de Beto Souza, com roteiro que tem a mão porovidencial de Tabajara Ruas), repetindo assim o feito do Festival do Recife. Aguardo as respostas à entrevista que encaminhei para o Miguel Ramos, e para isso conto com a ajuda do poeta Rubens Montardo Junior. 4. Miguel, Taba, Japi, Rubens e Cícero fazem parte da minha lista de os melhores de 2004 ou a dos mais importantes livros dos últimos 15 anos. Minhas listas costumam ser certeiras. O tempo acaba provando. Não há nenhum mistério ou vaidade: é só destacar os grandes talentos excluídos da mídia e pronto, não tem como errar.

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