22 de novembro de 2005

UM EVENTO DA DITADURA

Lula escandiu ironicamente a palavra internet ao reclamar das denúncias de corrupção que circulam na rede. Já pensou se um investidor venezuelano ou argentino souber disso, como é que vai acreditar no Brasil como alvo dos seus investimentos? pergunta cândida e furiosamente o presidente, diante de uma grande platéia de empresários, todos sentadinhos e bem comportados, do mesmo jeito que acontecia quando os repórteres depositavam humildemente os microfones diante de Lula, quando era candidato, num sinal óbvio de que estavam abrindo mão da imprensa que representavam a favor de uma ilusão (nunca mais Lula precisou desses microfones, agora ele é o próprio auto-falante). O evento era para comemorar a tal MP do Bem. Lula aproveitou a migalha que acha ter jogado aos pombos para passar um pito na platéia, advertindo que vai continuar com sua desastrada política econômica de arrocho, a mesma que vem sendo seguida desde 1964, quando um golpe de estado interrompeu a construção do Brasil soberano (sintomaticamente, Delfim Netto diz que "reza" para Palocci continuar no Ministério da Fazenda). Fui procurar na in-ter-net (nunca vi Lula diante de um micro)e achei esse primor de artigo, publicado em julho deste ano, no site da revista Juristas. É tudo o que precisamos saber.

MP DO BEM E DO MAL

Kiyoshi Harada

A fúria tributária, alimentada por centenas de medidas provisórias, tende a crescer cada vez mais. O legislador palaciano vem utilizando desse peculiar instituto normativo, derrogador do universal princípio da legalidade tributária, com uma intensidade diretamente proporcional a velocidade com que os recursos financeiros arrecadados desaparecem, misteriosamente, nos escaninhos dos órgaos de administraçao direta e indireta. Aliás, muitos desses sumiços nao sao tao misteriosos assim; pelo contrário, sao notórios e ostensivos. Acontecem a luz do dia, em balcões de negócios. Só nao sao percebidos pelos que nao querem ve-los ou fingem não enxergá-los.
De há muito perdeu-se o senso ético na elaboraçao de instrumentos normativos. Normas traiçoeiras, opressoras e afrontosas aos direitos e garantias constitucionais dos contribuintes são elaboradas a toque de caixa como se fossem a coisa mais natural do mundo. A constataçao desse fato é assustadora e sumamente preocupante.
Não só confisco de riquezas dos particulares é perpetuada em caráter permanente, por meio de tributos espúrios, como também os mecanismos legais de defesa vem sendo manietados de n maneiras diferentes fazendo tabula rasa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa.
Contra intimações computadorizadas da Receita Federal, por exemplo, não cabe impugnação ou recurso, mas apenas o tal de 'envelopamento', que consiste em envelopar e protocolar o documento comprobatório da quitação do tributo reclamado. Muitas vezes, o envelope só é aberto depois de ajuizada a execução fiscal, por conta do congestionamento burocrático. Outros institutos truculentos existem como o bloqueio on- line das contas bancárias de devedores, a indisponibilidade universal de bens por meios eletrônicos, o arrolamento de bens pelo fisco, a ação de depósito cominando pena de prisão do devedor, a inativação do CNPJ, a exigência de certidão negativa em situações cada vez mais numerosas, até para levantar o dinheiro do precatório judicial.
Ultimamente vem ganhando corpo a invasão armada de estabelecimentos para apreensão indiscriminada de documentos e bens da empresa, seguida de prisão dos administradores com vistas a futura e eventual constituição do crédito tributário pelo lançamento regular, em uma verdadeira inversão da ordem natural das coisas. Quando representantes do Poder, responsável pela correta aplicaçao das leis, tomam posição política a favor de invasões até de escritórios de advogados, que patrocinam os interesses das empresas visadas pelo fisco, tem-se a sensação de que o reinado do terror está próximo.
A teimosia do legislador palaciano, a deslealdade para com os cidadãos e a falta de ética no ato de legislar parece nao ter limite.
A tentativa de bloquear o acesso dos contribuintes lesados aos Conselhos de Contribuintes, feita pela MP 232, no apagar das luzes de 2004, nao deu resultado em virtude da violenta reaçao da sociedade civil, que provocou o enterro daquela medida provisória, conhecida como 'Tsunami Tributário' tamanho o seu efeito avassalador. De quebra, a cidadania conseguiu emplacar a Proposta de Emenda Constitucional no 371/05 , que proíbe o uso de medida provisória em matéria tributária.
Pois bem, aquela mesma idéia de torpedear o direito do contribuinte, abrigada no seio da sepultada MP no 232, de triste memória, vem embutida na MP no 252/05, denominada pelo próprio governo de 'MP do Bem' em tácito reconhecimento de que as demais representavam a 'MP do Mal'.
Refiro-me ao art. 68, onde consta delegação ilegal, inconstitucional, absurda e irracional ao Ministro da Fazenda, para criar 'Turmas Especiais' com a finalidade de julgar determinados casos que o Ministro houver por bem especificar, em funçao da matéria e do valor envolvidos. O Ministro ficou com a faculdade de criar essas 'Turmas Especiais' compostas de quatro membros 'pro tempore', designados entre conselheiros suplentes.
Ora, isso tem outro nome: chama-se Tribunal Administrativo de Exceção, para perseguir certos contribuintes, no interesse da rápida arrecadação, dentro do princípio amoral 'o fim justifica os meios'.
Esse renitente desvio ético é de uma gravidade ímpar, a medida em que revela uma arrogância e prepotencia inusitadas, em clara provocaçao aos sentimentos de justiça e de moralidade, externados pela sociedade, quando conseguiu banir a monstruosa MP 232, que continha o veneno traiçoeiro, ora transplantado para a 'MP do Bem'.
São medidas como a embutida na irônica "MP do Bem', que geram a falta de legitimidade do governo, raiz de toda a crise institucional em que se acha mergulhado o País.
É de se lembrar o que está prescrito logo no parágrafo único do 1o artigo da Constituiçao Federal: todo poder emana do povo. Significa que direitos e garantias fundamentais, consagrados pela Carta Política, porque resultantes da soberania popular, acham-se acima do poder político do Estado. Nenhum homem, governante ou nao, órgao ou Poder pode-se colocar-se acima deles.
É chegada a hora de a cidadania atuar para resgatar os valores informativos da sociedade e restabelecer a normalidade das instituições.

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