25 de dezembro de 2005

AS PALAVRAS MUDAM DE SENTIDO



Gostam de chamar de polêmico o sujeito que é apenas canalha. É o caso do Maradona, que se orgulha de ter participado do doping descarado dos jogadores brasileiros numa partida decisiva da Copa do Mundo. Confessou esse crime publicamente, em meio às gargalhadas dos seus pares, alguns exemplares do que a Argentina possui de pior. Todos riam literalmente às bandeiras despregadas. Ficou por isso mesmo. Também se orgulha de ter ganho uma Copa fazendo um gol com a mão, e ainda colocando a culpa em Deus. Em nenhum momento Maradona é impedido de vir ao Brasil, tomar todas e continuar debochando. Milhares de pessoas passam pelo aeroporto Tom Jobim, no Rio; por que só a turminha do Maradona resolveu encher a paciência? Porque despreza o Brasil. Às vezes faz de conta que admira. É que as palavras perderam o sentido. Polêmico no lugar de canalha, e admiração no lugar de inveja e desprezo.

MEDIEVAIS - Fazer as palavras perderem o sentido faz parte do sistema de ditadura que domina o mundo. Nunca se falou tanto em democracia no Brasil quanto no tempo em que se fez o golpe de 64. Deram o golpe de estado para "salvar" a democracia. E dê-lhe democracia, enquanto os golpistas completam seus centenários montados no ouro e no poder. Mas há ainda nuances mais escondidas. Palavras que consolidaram seu sentido foram contestadas, mas continuam firmes querendo dizer o que sempre disseram. Medieval, por exemplo. É uma palavra que a historiografia já derrubou. Em primeiro lugar, é um anacronismo (olhar o passado com os olhos do presente). Como pode uma era ser intermediária entre uma e outra? Ficar bem no meio? Antonio Callado um dia debochou de um sub-romance em que um dos personagens dizia: "Nós, homens da Idade Média". Imaginemos o sujeito sabendo que viria outra época depois, e que ele estava bem situado no miolo entre o tempo antigo e a modernidade. Depois descobriram que a dita Idade Média teve tantas luzes quanto as outras. Não foi um tempo só de trevas, já que toda época tem sua especificidade e diversidade. Pois não é que acusam as pessoas de serem medievais quando querem atacá-las? Ou seja, a palavra perdeu o sentido, mas o hábito não abre mão do significado antigo. O sentido só muda se houver interesse, se o poder exigir dela que migre para outras paragens do entendimento.

NORMAL - Chega o verão e com ele o turismo sexual das celebridades. Chapéu enterrado fundo, óculos que cobrem toda a cara, boca mole cool (estão sempre sendo filmados, precisam fazer charme) eis os pagodeiros de araque chegando com seus milhões de euros, atrás das garotas que se oferecem na mídia, especialmente na TV e nas colunas sociais ou ditas jornalísticas. O mercado da carne é incentivado em todos os níveis. Normal, dizem, outra palavra que perdeu o sentido. Normal, hoje, é tudo aquilo que pode ser contestado de maneira explícita. Qualquer baixaria pode ser justificada com um afinal. "Ele chegou para engravidar a dançarina do Faustão". Normal, afinal... Outra palavra que ganhou novo sentido é diplomado. Viram a gracinha do episódio sobre os diplomados que estão na pior e fundam uma empresa de serviços gerais chamado Trampo? Foi ao ar pela Globo esses dias, e é protagonizada por Luana Piovani (atriz excelente quando tem diretor por perto, o que não é o caso que estamos citando) e outros. É uma desmoralização: o Brasil só serve para ser serviçal do resto do mundo. Nossos diplomados vão ciceronear a urna funerária de uma personalidade iraquiana, por exemplo. Servem para passear cachorrinho de madame. "Mas não é o que acontece?" poderão dizer, para justificar. A cultura e o entretenimento, num mundo transformado em mercadoria, não é inocente. A pirataria internacional, que sucateou o país subornando os anti-Brasil, precisa desmoralizar a soberania e a cidadania. Por isso cacifa esse tipo de programa.

GOZO - Liguem a televisão a qualquer hora do dia ou da noite: tem sempre uma brasileira gozando (na véspera de Natal, na novela Putíssima, foi a vez de Claudia Arraia e logo depois Carolina Ferraz ensaiarem o climax obedecendo ao fetichismo pornô-brega de se esfregar num mecânico sujo de graxa). Ela suspira, ela se retorce, ela fecha os olhinhos. É o orgasmo feminino (manipulando pelos eunucos que detém as rédeas da programação) transformado em produto de exportação. Venham comer as brasileiras, dizemos para o resto do mundo. Estão peladas na praia e querem trepar o tempo todo, como mostra a TV. Venham deixar seus euros e dólares para meia dúzia e umas merrecas para milhões de subempregados. Chamamos isso de divisas. Venha, Maradona, festejar com esse Zico, que tirou o Romário da Copa de 98, para que aquela final fosse um escândalo, em que nossos jogadores ficaram parados para que o Brasil se curvasse diante da Europa. Venha, Maradona, festejar com Zico, do Japão. Venha beber todas e quando for embora, carregado de mais grana, tente gozar com a cara dos brasileiros no aeroporto. Você é tão polêmico...

RETORNO - 1. Pode parecer inapropriado falar disso tudo em pleno Natal. Acho que não. Natal é uma palavra que foi bombardeada em todos os sentidos. Mas continua, como o dia em que podemos nos confraternizar. A festa, no entanto, é na véspera. Hoje é dia de luta. 2. Vocês viram o comercial em que uma dona de casa escuta do marido o nome do crediário de um banco e começa a se retorcer toda, a gozar e a gemer, pedindo que ele diga aquilo de novo? Nesse caso, crédito significa pau. É o que se pode concluir da propaganda. É tudo feito de propósito: os publicitários juram que as pessoas sérias não chegam ao orgasmo, então vendem gozo em troca de lucro. 3. Luana Piovani repetiu a bobagem de que "quem gosta de homem é gay, mulher gosta de dinheiro" (por coincidência, está namorando um milionário). Ou seja: só a moeda tem capacidade de reprodução. Não sabia dessa capacidade da bufunfa de fabricar esperma. 4. A foto é de Marcelo Min, o Olhar Absoluto. Min jamais descansa, jamais baixa a guarda.

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