20 de dezembro de 2005

O EXERCÍCIO ILEGAL DO PATRONATO




As mudanças do mundo empresarial não chegaram à novela Belíssima, que é a reiteração, em todos os níveis, do falso direito que certas pessoas têm de escravizar as outras. Não há meritocracia, há brutalidade. O auto-retrato do autor é o personagem Gigi, que representa a idéia que Silvio Abreu tem do escritor. Chantageado, ele precisa escrever uma comédia para duas barangas, mas como não é do ramo, implora a ajuda dos seus ídolos, os grandes astros do cinema do passado. Não são os roteiristas a sua inspiração, mas os atores, dentro da lógica antes do Cahiers du Cinema de que os filmes eram feitos pelas estrelas. Ocupado em chupar os filmes antigos, que ele considera a nata da trama,o autor deixa o resto da história a cargo da sua percepção do mundo dos negócios. A vilã é Bia Assunção, interpretada por Fernanda Montenegro, que maneja as pessoas graças à sua influência e riqueza. A ascensão social não vem por merecimento, mas pelo casamento, caso do personagem André (Marcelo Anthony). Mas o exercício ilegal do velho patronato não se restringe à grande corporação, mas a todo o tecido social. Parece que os globais enxergam isso como denúncia, mas não é. É apenas a consolidação das leis do anti-trabalho.

ESCRAVOS - O tosco mecânico Pasqual (Giannechini, reproduzindo sua idéia do que é uma pessoa do povo) tem seu escravo, o Jamanta, encarregado do serviço pesado. Carolina Ferraz deita e rola sobre seus subordinados, exigindo silêncio com o dedinho na boca e submissão total. A patroa de Camila Pitanga aconselha a moça a dar o golpe do baú, sob pena de ficar lavando o chão para ela. Tony Ramos chama de patrãozinho o adolescente que foi adotado pela sua patroazinha, Claudia Abreu. Ornela, que paga garotos de programa, exige eficiência sexual do seu contratado e odeia que ele fale de seus problemas. Claudia Arraia, que como a maioria das mulheres da novela, tem sua sexualidade mal resolvida saindo pelo ladrão (o charme e o veneno da mulher do Brasil, o rabo do mundo), despreza o japonês seu ex-marido, de quem arranca uma grana para ser a reformuladora do seu sushi bar. As secretárias fazem parte dessa paisagem sinistra pré-capitalista e a toda hora são expulsas do recinto, assim como a empregada de Irene Ravache, que tenta dizer algo mas é sempre expulsa para a cozinha (a empregada também, como todas as outras, morre de tesão pelo mecânico, mas por condição social lhe cabe o Jamanta, já que seu objeto de desejo está sendo disputado pelas patroazinhas).

Assim, em cada cena, há a reiteração dos papéis sociais e econômicos na ditadura que nos governa. Para isso serve a novela da Globo, para manter acesa na população a chama da subserviência, a escrotidão das relações humanas, a exploração e a determinação de que, nesta vida, existem os protagonistas e os coadjuvantes, sistema importado do cinema americano, que expõe seus galãs como comedores do mundo, suas mulheres como paradigmas de virtude, e as mulheres do resto do mundo, francesas antes, hispânicas agora, como reles fêmeas à disposição do império. A novela brasileira é esse esquema imposto de manhã à noite. Começa com uma Dona Benta ranzinza e autoritária no execrável Sitio do Picapau Amarelo, crime cultural hediondo e termina com Bia Assunção deitando discurso contra as pessoas que ela considera pobres (a humanidade inteira, menos ela).

TRICOLOR - A televisão japonesa adora jogador europeu. Lembramos do Papin, do Barcelona (ou seria do Milan?), quando perdeu a Taça Toyota para o São Paulo nos anos 90. O coitado não se conformava em ser vice, paras desespero das câmaras japonesas, que passaram o jogo inteiro focando sua performance. Desta vez foi o close na boca cool de um jogador do Liverpool, que não entendia como perdeu o título para os macaquinhos. Na visão européia, somos um mato sem cachorro, não temos times grandes nem grandes estádios, nem tradição secular no futebol organizado. Exportamos favelados, na visão deles. Mas vejam Ronaldinho Gaúcho, desde criancinha aprendendo a dominar a bola e sendo agora duas vezes o melhor do mundo. Gostei do tricampeonato do tricolor paulista, um título merecido do futebol pentacampeão do mundo. Rogério Ceni é o modelo de craque: dedicado ao clube que ama, sai coberto de glória, para alegria do povo que resiste. Simpatizo com o São Paulo, pois todos os meus filhos são sãopaulinos. O daniduc, que veio passar alguns dias na praia, chegou bi e saiu trimundial, assim como Miguel, que cedo concentrou-se para o grande evento. O daniduc vestiu a camiseta do time para sofrer nos dois jogos e, junto com todos nós, se emocionar com a festa. São Paulo é o campeão de fato e o campeão moral.

RETORNO - 1. Foto estupenda de Regina Agrella, leitora assídua do Diário da Fonte e fotógrafa de primeiro time. 2. Deu no blog do Noblat: "A Fundação Osvaldo Cruz convocará entrevista coletiva para denunciar amanhã à tarde no Rio de Janeiro um duplo escândalo: * a organização não-governamental norte-americana Institutional Review Board, financiada pela Universidade da Flórida/Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América, usou moradores da comunidade ribeirinha de São Raimundo do Pirativa, no Amapá, como cobaias em pesquisa autorizada pelo Ministério da Saúde e realizada para capturar o mosquito transmissor da malária;* a versão em inglês do acordo firmado pela ong e a Fundação para a aplicação da pesquisa tem um trecho que não consta da versão em português. E o trecho autoriza a ong a usar pessoas não só para atrair o mosquito como para alimentá-lo com seu sangue." É como diz o Diário da Fonte: Brasil, o rabo do mundo.

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