24 de janeiro de 2006

ÍCONES DO AQÜÍFERO ZERO





O título acima não faz sentido, é apenas uma costura de retalhos composta pelas palavras da moda. A mídia adora falar em ícones para assim sentir-se iconoclasta. Então tudo vira ícone. O abuso do conceito é apenas o vício do Mesmo, tantas vezes apontado aqui. Não cometa a heresia de não usar ícone na sua matéria. Ficaria assim, meio deslocada. A descoberta do aqüífero é outro deslumbramento. Existem centilhões de metros cúbicos de água intocados muito abaixo do solo, mas não é hora de mexer no aqüífero, isso vai contaminar o aqüífero, o aqüífero existe para não humilhar ninguém. E zero, desde o tolerância zero da polícia de Nova York, empresta contundência ao jornalismo orientado pelas consultorias. Uma autoridade aqui em Floripa chegou a falar que a reconstrução do Mercado Público incendiado (que já aconteceu) era muito urgente, por isso ele se referiu a prioridade zero. Ou seja, nenhuma prioridade. Não importa o significado, o importante é usar zero. Fome zero, violência zero, tua-mãe-sem-calça zero. Faz sentido. Está tudo zerado mesmo.

CONSENSO - Houve um tempo (o do Geisel) que a palavra da moda era consenso. Com a imprensa censurada, o país na maior encruzilhada, o som contundente de consenso tomou conta do noticiário. Deu certo, o consenso gerou a ditadura civil. O uso recorrente de palavras é a muleta dos escribas de aluguel, aquele tipo que te convida à reflexão, como se reflexão precisasse de convite. É moda também bater em religião, como se a fé fosse, em todos os seres humanos, contaminada pela histeria e o fundamentalismo. Dia desses é outra expressão execrável usada a torto e a direito. Dá um tom coloquial cool ao texto. Lembra aquela empresa que existe na avenida Rebouças, em Sampa, Toldos Dias. Nome de empresa é um escracho. Não entendo a síndrome de Dupond e Dupond, os gêmeos impagáveis do Tintim, que repetem o que o outro diz. Patas & Patas, por exemplo, nome de uma petshop no meu bairro em Sampa.

FISCAIS - A maior praga é o confira, como se o leitor fosse fiscal. Todos tem que conferir o tempo todo. Isso não muda nunca. Não saia daí, o apelo dos apresentadores de TV para nós, que ficamos no sofá. O país ágrafo deita e rola no lugar comum e no pesadelo da linguagem. Quer que eu liga? perguntam, num funeral eterno do subjuntivo. Pelo menos por aqui, na praia, o horrendo brigadão (que tem como resposta brigado eu) não é tão usado como em Sampa. Num ambiente onde não se lê, muito se escreve, por contingência. Jornalistas que jamais leram um livro (conheci inúmeros), empresários incapazes de escrever uma carta, polemistas que confundem aculturar com implantar cultura. Num sermão fúnebre, ouvi um padre falar sobre a tremenda perca que foi a morte do homenageado. Menas já é um ícone. Menas árvores.

DESEMPREGO - Neste domingo, no Canal Livre, da Band, ouvi o ministro Patrus Ananias (nome de desenho animado ou de velho gibi da Disney), falou que o governo Lula gerou quatro milhões de empregos de carteira assinada. A economia anda, porque as pessoas precisam sobreviver, surgem alguns empregos por força das circunstâncias e quem é o responsável? O presidente, claro. Imediatamente, o mesmo ministro falou que o desemprego é um fenômeno mundial. Ou seja, há desemprego, mas são criados empregos. Haja. Nem o aqüífero nos salva. Ícone zero.

RETORNO - 1. A imagem é mais uma foto de Marcelo Min, que enxergou com seu Olhar Absoluto uma dança na periferia. 2. Outro vício terrível é fazer uma pergunta para o incauto leitor terminada com: certo? e responder: Errado.

ESPECIAL - Urariano Mota me envia matéria sobre Yuri Firmeza, o artista cearense de 23 anos que ludibriou a deslumbrada imprensa de Fortaleza ao inventar um artista japonês de vanguarda. Deram o maior destaque. O artista de vanguarda está no quintal deles, mas não é visto.

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