27 de março de 2006

A ESCRAVIDÃO EM LIMA DUARTE



O ator Lima Duarte, da Globo, soltou os cachorros na Ilustrada de ontem. Reclama da escravidão (ele não usou essa palavra, mas está na cara que esse é o tema) que o obriga a ser garoto propaganda da ração de gato, sendo dirigido por alguém do merchandising, tendo de colocar o logo do produto na frente da câmara. Lima Duarte se sente bem protegido. Recebeu convite milionário da Record, ganha bem, está com cinco filmes para chegar à praça. Mas seu grito não é um gesto de liberdade. É, antes, a evidência que serve aos poderes aos quais se entregou pela vida inteira, representando o que nos obrigam a pensar sobre o povo brasileiro.

Ele acha que é autêntico, que seu Sassá Mutema é o povo do qual saiu. Não é. Seu Sassá Mutema é o idiota que representa o povo inventado pelo poder. Com seu talento, Lima Duarte convence. Mas ele não representa o povo que gerou Dorival Caymi e Baden Powell. Ele encarna a submissão, o jugo da ignorância. É por isso que o Fantástico, como ele mesmo reconhece, transforma toda entrevista em merda: é porque os editores da Globo querem que o povo seja imbecil, por isso idiotizam tudo e colocam a culpa no povo. Ah, o povo quer assim, diz Lima Duarte sobre a mesma novela há 40 anos. Não, quem quer assim são vocês. Não sei quem manda na Globo hoje, diz. Não sabe? É a ditadura. Simples assim.

BABA - É triste chegar à velhice ainda amarrado a todas as cadeias de uma vida inteira. Submeter-se à ditadura do merchandising, ao sotaque forçado do seu personagem na novela, à mesmice crônica que toma conta do horário nobre, sem deixar opção para mais nada. É triste, e não me refiro só a Lima Duarte, sermos um país de escravos, onde todo mundo se entende como senhor (claro, quem vai admitir que precisa arregar para sobreviver?). É triste ver pessoas insistindo em votar nos mesmos escroques, pois nenhuma evidência do Mal é suficiente. Você aí que apóia a escrotidão que nos governa: você é escravo, e dos piores, pois tem a chance de se libertar e com isso libertar os outros, mas continua embaixo da canga, lambendo a própria baba. O problema é que a liberdade parece ser ainda o aeroporto. O caseiro Francenildo diz que quer distância do país. A família de Celso Daniel já está no Exterior.

NORMAL - Candidatos italianos vêm para o Brasil fazer campanha. É que os brasileiros agora são cidadãos italianos. Dá para acreditar? Deixamos de ser um país. Uma nação soberana acaba com a festa da dupla cidadania. O país não está no chamado sangue, isso é pura eugenia, nazismo. Lembram da Pan-Germania? Era o esquema nazista de dominar o mundo, convocar todos os descendentes de alemães no mundo todo. Agora temos a Pan-Italia. Quem optar pela bandeira italiana deve ser tratado como estrangeiro, apenas isso. Sou alemã pura, me disse esses tempos uma atendente brasileirinha do comércio. Então você é igual a um cavalo árabe puro sangue, pensei. Não sei em quem vou votar, me disse alguém em São Paulo. Não conheço os partidos da Itália. Isso é um desplante. Mas todos acham normal. Não existirmos como país parece ser um alívio. Ontem, Real Madrid deu um toco no adversário. Tinha cinco brasileiros em campo. Roberto Carlos já é espanhol. Normal.

MONSTRO - Lima Duarte confirmou o que se disse aqui: o problema Tony Ramos. Ele diz que adora o Tony, mas criticou aquele sotaque falso de grego, que acaba interferindo na percepção do personagem. Lima Duarte faz a mesma coisa com Murat. Lima e Tony são da mesma cepa. Se consideram grandes atores, mas estão subjugados por um sistema anti-povo. Só quando o Brasil se libertar dessa prisão no imaginário, fruto das correntes econômicas, é que teremos atores livres. Temos poucos atualmente. Quem tira a cabeça para fora, é absorvido pelo monstro.

HITCHCOCK - Participo, no Orkut,de algumas comunidades. Na do Hitchcock, dei uma contribuição pra um trabalho de comunicação escrevendo o seguinte sobre Janela Indiscreta: O protagonista está imobilizado. Sua única ação é ver. O crime, sugerido ou vislumbrado, está misturado à rotina de todos os olhares. O criminoso se oculta graças à preguiça do olhar. O protagonista, profissional do olhar (é fotógrafo) tenta compor a cena do crime a partir de suas fotos. É uma representação do cinema. O cinema existe apenas na nossa mente, pois trata-se de uma ilusão: é o resultado do movimento rápido de fotogramas fixos ("o cinema é a verdade 24 vezes por segundo", já disse Godard). O conflito essencial é entre o espectador imobilizado, que tem como defesa o seu olhar, e o criminoso em movimento, que tem como defesa o ocultamento (é preciso que ninguém veja o crime; se ninguém vê, o crime então não existe, segundo a ótica do criminoso; não ser visto é o álibi do assassino). A ação vitoriosa não é de quem consegue andar, mas de quem consegue enxergar. Olhe direito a vida normal para enxergar os crimes que se ocultam nela, nos diz o Mestre. Não se deixe enganar pela rotina e a aparência. Há um cadáver bem na frente da sua janela(Nei Duclós).

RETORNO - Colocar Milton Gonçalves na Zorra Total, Othon Bastos na Sinhá Moça e Paulo Betti na Malhação é crime cultural. Libertem os grandes atores. Ou melhor: grandes atores, se libertem.

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