25 de abril de 2006

A INTENÇÃO EM CLAUDIA ABREU





Claudia Abreu não precisa das mãos, nem de sotaques, nem de máscaras. Ela não grita, não faz pose, não se agiganta. Precisa apenas do que tem e não é muito: uma beleza discreta, uma presença pequena, uma voz comum. Atuar nem sempre significa encarnar personas, transmutar-se em personagens marcantes. Basta ficar de rosto inteiro na tela, como aconteceu num desses dias em Belíssima, em que Claudia Abreu enfrentou a ira da cunhada. Ela estava impotente diante do drama. Mas sua impotência não foi anunciada em expressões de dor ou raiva ou desencanto. Sem mover uma linha do rosto, ela simplesmente vestiu em camadas os conflitos que a levaram para aquela situação.

Sua cara se desmanchou, não em lágrimas, porque os olhos estavam secos. O queixo não tremeu, o nariz não fungou. Ela foi se transformando numa ruína humana. Conseguiu isso apenas trabalhando a intenção. Seu sofrimento era sua impossibilidade de ação, a dúvida de que estivesse fazendo o certo para proteger os filhos, o remorso frente à evidência. São como peles transparentes que vão se superpondo no rosto desfigurado pelas emoções em transe.

Ela não podia chorar, nem gritar, nem pedir perdão. Não podia dizer o verdadeiro motivo da sua decisão. Não podia prometer, nem jurar, nem implorar. Ela estava presa na armadilha da farsa que precisou assumir. Sua imobilidade é a transparência total. Sem músculos da face que a apoiassem, sem rugas significativas na testa, sem brilho nos olhos, ela ficou ali por incontáveis segundos, eternos enquanto víamos não a Vitória que se decompunha, mas a atriz que atingia o estado de arte.

No minuto seguinte ela chorou e fez tudo a que tinha direito. Mas naquele momento em que ficou amarrada à chantagem que a prendia, em que correntes opostas se jogavam no paredão de uma aparente submissão e indiferença, sua humanidade chegou à tona por meio desse desenho que Claudia compôs como tragédia, num folhetim que é pura apelação e falsidade.

Tem ator ruim demais ao redor de Claudia Abreu. Os caricatos, os anódinos, as potrancas, as bibelôs, os abestalhados. Uma galeria pobre para o ofício da interpretação. Mas não é isso que transforma Claudia num destaque. Com qualquer elenco, ele faria o mesmo. O que a faz intensa e maior é essa capacidade de reduzir-se à essência da profissão, que nada mais é do que trabalhar o que existe de subterrâneo, para que a aparência, o que é visto, convença, pela força da sinceridade tomada emprestada por uma técnica.

Não é para qualquer um. Pois existem divas, estrelas, damas, promessas, revelações. Mas poucas pessoas como Claudia Abreu, que interpreta confiando na inteligência do espectador, que aposta no sucesso do seu recado. E que cruza o tempo mau como se ela fosse a boa notícia de uma catástrofe chegando ao fim.

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