23 de abril de 2006

OS CORPOS DISPONÍVEIS





Por que pessoas adultas e aparentemente responsáveis por seus atos se amontoam nuas para o fotógrafo americano Spencer Tunick roubar-lhes a alma? Sim, porque os índios tem razão: uma foto captura a anima, a animação, o movimento e a imobiliza numa representação que é a projeção da criatura fotografada. As multidões peladas são o triste retrato de uma cidadania despojada do essencial, que não é a roupa, mas a vergonha. Depois da expulsão do paraíso, a vergonha se manifestou para o primeiro casal humano porque a partir daquele momento eles estavam por sua conta, dependiam de si para sobreviver. A primeira manifestação da responsabilidade foi entender que o corpo não estava disponível para as feras, não poderia servir de repasto para urubus. Como hoje é moda querer ser de vanguarda, desmistificar essas coisas antigas e principalmente aparecer numa era que fabrica o anonimato para alimentar o estrelismo das nulidades, então todo mundo atende ao apelo do cretino e se pela. Aconteceu também no Brasil. O sujeito foi até o Ibirapuera e colocou a brasileirada exibindo as partes.

MONOPÓLIO - Esse é um megaprojeto que representa a globalização do uso indiscriminado do humano, que fica à mercê da brutalidade dos monopólios. Tudo é monopólio no mundo nu diante dos algozes. Você não consegue ler jornal porque eles são empresas dominadas por pessoas ágrafas, que escolhem a dedo as equipes que nos torram a paciência com textos ilegíveis, redundantes. Nada do que é sagrado e forte e bom emerge da multidão de papéis jogados a esmo nas bancas e que servem apenas para veicular publicidade. Não consegui ler uma entrevista ontem (não perdi grande coisa) pois a toda hora o texto era interrompido por mensagem publicitária, colocada no meio das colunas para que o olho, coitado, que busca um mínimo de leitura, tropece na mensagem. Por todo lugar, a concorrência é falsa, pois quando se manifesta é para exibir dois pretensos adversários que em tudo se parecem e apenas dividem o bolo, negado a outros veículos, que pastam ou morrem. Quantas vezes comprei o Estado achando que estava comprando a Folha? São o mesmo jornal, com roupas iguais. Na TV é uma tristeza. É o mesmo noticiário, do começo ao fim do dia e da noite. Notícias importantes são dadas pelo apresentador de modo superficial e ligeiro, matérias com imagens são longas e pautadas pelo departamento comercial.

A MARCA DO TRAIDOR - Para quem tinha dúvidas sobre o caráter do presidente da República, não deve ter mais. Ao imitar o gesto histórico de Getúlio Vargas, que molhou as mãos no petróleo brasileiro em 1952, num dos seus atos de soberania nacional, Lula faz por merecer o estigma de traidor. Pois passou a vida toda falando mal de Getulio, do trabalhismo e do que eles representavam. Postou-se como alternativa popular metida a autêntica, longe do que ele e sua gang chamavam de populismo. Agora, desesperado, encurralado pelos próprios erros, tenta roubar a herança de Getulio Vargas se esforçando em se passar por ele. Se fosse uma pessoa séria, Lula não acenava com este gesto macaqueado do que temos mais glorioso na história da nação. A diferença das fotos é gritante. A cara tosca de Lula no seu gesto estudado e vazio contrasta com a alegria de Getulio (em foto já publicada aqui no DF)ao exibir o fruto da campanha vitoriosa, O Petróleo é nosso. A mão de Getulio diz que é nosso, a de Lula diz que é deles.

CACHORRÕES - Diogo Mainardi, da Veja, larga os cachorros nos grandalhões da imprensa, que segundo suas denúncias estariam envolvidos em forte tráfico de influência no dinheiro público. Franklin Martins, comentarista da Globo, sentiu-se ofendido e fez um desafio, enquanto desencadeava um processo. O desafio é que Diogo ache um senador que comprove a denúncia de que tenha favorecido o irmão de Martins no cargo ocupado na Agência Nacional de Petróleo. O processo é para limpar a honra e arrancar dinheiro de Mainardi para, no caso de vitória, ser doado. É uma contradição. O repto não pode conviver com o processo. Ou é um ou outro. E se um vencer no desafio e perder na Justiça e vice-versa? Só um dos fóruns pode ser escolhido. O ideal seria um duelo, com aquelas velhas garruchas, no meio da neblina, os dois contendores usando camisas brancas bufantes e a platéia composta pela bagacerada de sempre.

MOEDINHA - Outro embrulho é o trecho da moedinha citado por Martins, onde Mainardi diz que vende opiniões até para a própria mulher. No desabafo de Franklin, não está dito que o parágrafo faz parte da orelha do livro A Tapas e Beijos, de Mainardi, e que é uma ironia exatamente sobre a opinião comprada. A propósito: tire a internet e o que resta da liberdade de expressão? Rosca.

RETORNO - "A tentação de Adão e a expulsão do Paraíso" é tela de Michelangelo.

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