6 de abril de 2006

A SOLIDÃO DOS AUTOMÓVEIS





A pior publicidade chegou ao "seu melhor auge" como diria aquele maratonista. Erradicou todo o conflito da paisagem urbana e rural e lá colocou, solitário, o objeto de desejo dos auto-suficientes: o automóvel aparentemente de luxo. Já não existem motoristas nos comerciais que se digladiam em mostrar a mágica que é rodar num mundo de sonhos: sem a realidade brasileira atrapalhando. Nem se trata de reproduzir cenas de Primeiro Mundo, já que aquelas avenidas vazias, aqueles edifícios espelhados, aquele ermo de luxo que se descortina da janela dos novos modelos, não existem em nenhum lugar. São o ápice da exclusão. Se você comprar, ou seja, investir seu poder de endividamento na carruagem encantada, você será o espectador privilegiado nessa viagem pelo não-lugar, o paraíso inventado pelo marketing fajuto, que não contente em mentir sobre o fato de que as cidades não suportam mais automóvel nenhum, ainda colocam os lançamentos em cenários do Mágico de Oz, como se fosse possível transformar o pesadelo num conto de fadas. Mas isso tudo é considerado "normal".

CARGA - É proibido falar mal da publicidade. Vejam os sites poderosos das empresas de comunicação. Cada notícia é ilustrada por um comercial. No lugar de colocarem imagens fixas ou em movimento para fazer par com o texto, usam sofisticados recursos visuais para os reclames, atrapalhando a leitura. Sempre desconfiei das demissões em massa, que se justificam pela contenção de despesas, segundo a versão oficial. No fundo é outra coisa: para manter a superconcentração de renda, que paga salários de reis para meia dúzia e arrocha a mais valia dos outros, é preciso passar o passaralho continuamente. Bastaria voltar o veículo para os leitores e não para o marketing, distribuir a grana para a equipe toda, que o jornal, revista, site se salvam. Mas os comerciais ilustram essa realidade: os big shots da comunicação formam esse time perfeito de privilegiados que cruzam o ambiente falso inventado para a solidão dos automóveis. Não reclame de tudo isso, senão te acusam de inveja. É a maneira de amordaçar a crítica, que ao se manifestar, tanta é injustiça, acaba se transformando num chororô. A solução é peitar os grandes poderes com a tranqüilidade de um motorista de carreta. Você está com toneladas de razão e a playboizada que saia do caminho.

ÓLEO - No Carnaval, o governo gastou os tubos para o Luis Fernando Guimarães gargalhar da nossa cara promovendo a camisinha, esgrimindo piadinhas infames como a troca de óleo. Brasil, um país de todos os cretinos. E essa campanha milionária do programa educacional que, segundo a propaganda capitaneada por um barbudinho cabelonzi, vai gerenciar a verba das escolas? Fundeb ou coisa que valha? O garoto propaganda é a imagem que se tem do militante bem sucedido: à vontade, sério, tipo gente fina ou sanguibom (expressão nazista) com um papo cheio de atrações. Peguem a verba da veiculação e coloquem nas escolas. E quando vejo ministro do governo terminal ocupando vários minutos de cadeia nacional para dar algum recado, tiro o som. Eles não têm mais o que dizer. Já disseram tudo, como prova o relatório da C PI dos Correios aprovado sem cortes ontem.

TABEFES- Um dos apelos recorrentes da publicidade é o desrespeito aos mais velhos. A criança se esbalda fazendo pouco dos veteranos. A idade é o passaporte para o achincalhe. Há manifestações de exclusão em massa nos comerciais. Esposas batem nos maridos, ou gozam quando ouvem falar em crédito (pelo menos essa mensagem tiraram do ar), filhos fazem pouco dos pais. Tem também o apelo populista para os RM (Ruim de Mulher) que, diz o filminho, faz o maior sucesso com as gatas. É para atrair os nerds que não conseguem nada. O ursinho que é o cara, o corcundinha que vende bolachinha doce, esses troços que infestam a televisão, jornais, revistas, out-doors. Os reclames politicamente corretos são os que mais dão asco. Vamos mudar essa realidade, diz um, mostrando mulher pobre com filho. Se queiser mudar mesmo essa realidade, pega o dinheiro da campanha publicitária e investe diretamente lá. Já escreveu Vinicius de Moraes: "o homem que diz sou, não é".

ISENÇÃO - Vejo nas colunas sociais que os mais salientes são os publicitários. A bordo de iates, ao lado de gatas disponíveis, com copinhos de vinho, os destaques dos reclames curtem a boa vida enquanto muitos profissionais do ramo, acredito, pastem a sua grama para que os homens de bem usufruam da vida. No relatório da CPI, tudo gira em torno da verba publicitária do valerioduto. Tudo "normal". Eles mentem nas fuças de todo mundo e deixam pouco espaço para a publicidade necessária, a que ajuda a sustentar veículos sérios, numa parceria que promove o bem comum. A informação isenta sem a contaminação da mensagem paga pode conviver com a mensagem paga desempenhando sua função legítima de divulgar as atividades humanas. Mas isso é uma anormalidade.

RETORNO - Meu segundo texto para o espaço Literário, "Laudas da vida inteira", já está postado no Comunique-se (link ao lado).

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