14 de julho de 2006

OS FALSOS HERÓIS MATAM SEM PARAR





Transformar bandido em herói foi a tarefa da classe média dita esclarecida a partir do início da desconstrução da Era Vargas. O Estado foi analisado e visto como coisa horrorosa fora de moda. O moderno era sermos livres e pagãos, de arma em punho. Depois perguntam porque as meninas adoram subir o morro atrás de bandido. O mito da luta armada como fator de libertação foi assimilado pela bandidagem para fazer valer sua força, que hoje, como sempre, está fora de controle. Agora a classe média prova do remédio que pregou, ficando confinada como a população das favelas. Há um link óbvio entre os que propagaram a idéia de que as massas deveriam revoltar-se, empunhar armas, contra o Estado soberano, e a atual situação limite em que vivemos. Como o Estado migrou para a ditadura, nada mais justo que se pregasse a insurreição, pensavavam os próceres da libertação. Mas o tiro saiu pela culatra, pois os mesmos conseguiram apropriar-se do Estado que desprezavam, e precisam agora decidir sobre o impasse pela violência generalizada. Mas esta está a serviço da politicagem da campanha eleitoral.

ANALFABETISMO - Depois que, a partir de 1985, a ditadura não precisou mais dos militares, deixou todo mundo brincar de democracia enquanto continuava seu processo crescente de expropriação de soberania (e para isso contou com a intelectualidade enojada de Vargas), empobrecimento da população e tunga dos tesouros e territórios da nação. Não é vantagem para o Império existir um país tão imenso como o Brasil na parte do globo que eles acham ser seu quintal. Era preciso destruir a auto-estima dos brasileiros, seduzindo-os com badulaques. É triste ver gerações e gerações sendo engolidas pelas empresas de fast-food. O emprego deixou de ser uma carreira com futuro para transformar-se nessa frustração coletiva em que todo mundo virou servente. O país hoje é composto de serviçais. Estamos a serviço da morte em vida. Para que ter um estudo decente se vamos servir carne podre nos balcões coloridos e iluminados? O que chamam de analfabetismo funcional é analfabetismo ponto. Não existe analfabetismo funcional.Ou o cara sabe ler, ou seja, entende o que está lendo, ou ele é analfabeto. Não adianta acuierá as letras, como diria aquele político do interior.

MICROFONES - A solução é óbvia: a sociedade brasileira precisa apostar na paz, no convívio entre as diferenças, desde que as diferenças não sejam o escândalo atual. Promover a distribuição de renda por meio do combate efetivo da corrupção (e não pelo clientelismo eleitoral, como ocorre hoje), e também pela criação de um ambiente saudável pró-negócios (para que todos tenham a oportunidade de conduzir o próprio destino) aparelhar o judiciário com os instrumentos da tecnologia para agilizar os processos, implantar um sistema educacional sério, como tínhamos antes de 1964, reverter os efeitos nocivos das reformas educacionais promovidos pela ditadura e invadir os nichos de violência onde o Estado não impera. Mas para isso é preciso que se entendam. Ninguém se entende e o que temos é um monte de idiotas falantes se justificando. Como é que um presidente da República precisa pedir licença para intervir num estado conflagrado como São Paulo? Você intervém e pronto, está na cara que a situação ficou insustentável. Toda essa baboseira está deixando a população furiosa. Por enquanto ela recua, escaldada que é, sobrevivente que é. Mas daqui a pouco não terá para onde fugir. O que farão os faladores ao microfone? Mais palavras vazias?

DECADÊNCIA - Recebo o jornal Vaia, de Porto Alegre, numa primorosa edição sobre os cem anos de Mario Quintana. Há preciosidades lá. Uma carta de Paulo Mendes Campos, um texto de Juarez Fonseca, o magnífico Manuel Bandeira (inventor da palavra quintanares), todos ao redor do nosso poeta, que tanta falta nos faz. Meu poema sobre Mario, publicado no meu livro estréia, Outubro, também foi reproduzido no jornal. Numa entrevista, Quintana diz que recebia diretamente da França os folhetos sobre os lançamentos das editoras de lá, encomendava e recebia tudo de Paris. Lia e falava fluentemente francês desde criancinha. Diz até que a revolução de 1923 teve grande parte da conspiração acertada em francês. O Rio Grande do Sul, como outras partes do Brasil, foi uma grande civilização no início do século vinte. No programa do Jô, vi Kleiton e Kledir dando entrevista e vi como o apresentador procurava abordar o aspecto folclórico do tal gauchismo. E reproduziu uma conversa com uma sem-teto em Porto Alegre. O depoimento da mulher, em andrajos, foi alvo de deboche total. Essa indiferença em relação aos outros é que nos mata.

RETORNO - Imagem de hoje: Escada, de Helcio Toth. Tudo a ver com a sensação de labirinto onde nos metemos.

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