15 de agosto de 2006

CAIAM FORA





Enquanto a Caixa Econômica Federal, em vez de contribuir para a construção de uma ferrovia, por exemplo (ou mesmo uma rede de esgoto, por pequena que seja), ajudava nesta segunda-feira a sustentar o Steve Segal na Tela Quente da Globo, patrocinando uma obra que continha essa grande contribuição chinesa à cultura, que é o filme baseado nos pontapés, a Band difundia a arenga dos candidatos à presidência. Foram dois programas afins, em que a brutalidade bem remunerada assaltava a percepção pública em horário nobre. Para quê? Para provar que não somos uma nação. Heloisa Helena disse textualmente: "O MEU Banco Central vai ser autônomo, independente". Se for autônomo, como poderá ser dela?

Escooola, escooola, dizia Cristóvão Buarque, como se educação, sem políticas públicas que nos tirem do atoleiro, fosse resolver nossa falta de soberania. Um dos jornalistas da Band, notoriamente de direita, acusou o movimento dos sem terra de colocar fogo no campo. Certamente ele prefere a paz dos cemitérios, pré-MST, quando se matava a rodo e ninguém ficava sabendo. Agora é recíproco: tanto o latifúndio quanto o movimento emergente fazem parte desse complô contra a paz verdadeira. Tudo isso por falta do óbvio, daquilo que não foi enfocado de maneira séria no debate: livrar-se da pirataria financeira internacional e carrear os recursos para a nação exausta. Mas isso eles não vão fazer. Simples: porque os políticos que disputam a presidência, incluindo o presidente, não têm a mínima importância.

O poder está em outras mãos e sabemos quais. Quando vemos os juros escorchantes, os lucros exorbitantes dos bancos, a corrupção desenfreada (sim, pois toda essa tunga precisa da corrupção para existir) sabemos onde o galo canta e não é na urna.Uma coisa que chama a atenção são os gestos, principalmente os da boca. Eymael apertava a mão direita deixando o polegar um pouco para frente enquanto torcia a boca fazendo aquela cara que provoca engulhos: "Esse é meu compromisso", dizia, contundente. Heloisa Helena afinava ainda mais os lábios para demonstrar determinação. Num tom que parecia histérico, dizia que iria assentar um milhão de famílias a cada ano do SEU governo. Macaco Simão está certo: e se ela ganhar?

HH é o Lula que disse o que disse até se eleger e fazer tudo o contrário. Ele sabia que não poderia fazer nada do que prometia. Os políticos não fazem nada, a não ser disputar o butim, as sobras do que entregamos de mão beijada para os gringos. Vemos a inconsistência dos candidatos quando notamos os movimentos estudados da boca de Alckmin no momento em que, digamos, se expressa. Parece aquele movimento plantado pela computação gráfica nos lábios dos bebês ou dos bichinhos de estimação. Com isso ele quer dizer que é elegante, fino, prudente. Mas é apenas falso.

Meu texto O Falso Cinema de Autor parece que está incomodando. Tirei o brinquedo favorito dos pseudo, os que acham de Niro um grande ator, o Tarantino a coisinha de Jesus do papai e assim por diante. Não se conformam com opiniões contrárias. Querem o consenso. Mal sabem que apenas reproduzem o que se diz no marketing, que essas coisas que clonam a autoria cinematográfica são inventadas, enquanto os talentosos ficam à sombra. Eles agem em todas as frentes: não basta desviar os recursos das nações para os piratas, é preciso justificar, provar que cultura é um monte de gente se matando e se dando pontapés.

Pois o recado é simples, para todos os políticos e os adeptos do consenso forjado: caiam fora, nos deixem respirar. Precisamos sobreviver, acreditar que essa vida é um pouco mais do que ficar à mercê de tanta baixaria. Queremos arte, queremos pão. Queremos habitar nosso destino. Quero pegar um trem de Florianópolis a São Luís. Quero cruzar o pampa com um trem moderno. O pampa é plano, o que há? No século 19, os engenheiros brasileiros, como mostra Ida Duclós no seu blog, fizeram o que os estrangeiros diziam ser impossível: construíram a estrada de ferro Paranaguá, cruzando a serra maciça. Nossa modernidade, quem diria, foi no século 19!

RETORNO - Imagem de hoje: uma foto no centro de São Paulo, por Marcelo Min (que me enviou convite de casamento marcado para o despertar da primavera)diz tudo sobre a indignação popular. A postura, o olhar, a presença do protagonista: só os políticos não enxergam.

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