1 de agosto de 2006

VANDRÉ DEBAIXO DO TAPETE

Diário da Fonte



No final da programação de domingo, a Globo veiculou a solenidade do Premio Tim. O homenageado era Jair Rodrigues e suas interpretações. Dois filhos de Jair entram no palco para cantar a música Fica mal com Deus, de Geraldo Vandré. Um bate com as mãos espalmadas, morde o lábio inferior, dobra os cotovelos e dá uma dançadinha estalando os dedos. Já sabemos como é essa coreografia. O outro faz mais ou menos a mesma coisa. E cantam a música de Vandré como se fosse uma coisa qualquer. Para começar, não foi dado o crédito. O nome do autor não aparece na tela. Ou seja, empurraram Vandré para baixo do tapete. O sistema de televisão que sustenta a atual ditadura não brinca em serviço. Não pode deixar que escape qualquer nesga do Brasil soberano. Na música em questão, a letra diz a certa altura: "Vida que não tem valor/ Homem que não sabe dar/ Deus que se descuide dele/ Um jeito a gente ajeita/ Dele se acabar". É poesia guerreira, contra a opressão. Fala em eliminar os responsáveis pela má distribuição de renda (os que não sabem dar). É uma carga explosiva demais para ser suportada pelos prêmios sustentados com dinheiro público. Por isso ela é embalada em interpretações artificiais.

SOLENE - Vandré canta essa música com solenidade, com grandeza. É a voz de uma convocação. Nunca deu reboladinha em cena, nunca deu uma viradinha de rosto para o lado para fazer charme, como acontece agora. Tenho visto cantoras de todo mundo. Todas cantam do pescoço para cima. As brasileiras, muitas delas, rebolam quando cantam. O Brasil precisa mostrar que é sexy. É uma afirmação infantil da sexualidade. Expropriaram a grandeza do país, a seriedade, a sobriedade. Tudo é piada e festa. É um coletivo abrir de pernas. Jô Soares, no tempo do SBT, estava em cima dos acontecimentos, fazia programa em função dos fatos. Hoje o mundo explode e ele está encarcerado na fórmula não tenho nada com isso. Como está fora do noticiário, fica fazendo piada suja, em sua maioria. Acha isso muito engraçado, mas é patético. O "Fala, garoto" do Sergio Groismann no SBT era interessante, dava voz a uma juventude calada à força. Foi para a Globo esconder-se na madrugada do fim de semana, fazendo apenas entretenimento. O sistema de monopólio não brinca sem serviço. Ana Maria Braga incomodava na Record? Joga a apresentadora para as oito da manhã. Faustão fazia um programa escrachado na Band, o "Perdidos na noite"? Transforme o dito no porta-voz da mesmice gritada, para preencher o vazio interminável das tardes de domingo. É assim que funciona. Tudo para debaixo do tapete.

RASPA - Eliminam a arte da programação e depois empurram um monte de gente numa noite de gala, como neste Prêmio Tim (quanto custa em publicidade a implantação de uma tele?). A maioria permanecerá inédita. Há o cuidado de distribuir galardões para figuras carimbadas e incensar alguns novatos. Outra coisa que me chamou a atenção foi essa história de Jair Rodrigues ser precursor do rap, com o "Deixe que falem" e o "Zigue zague". Anacronismo puro. O samba falado é antigo e nada tem a ver com o rap, rep, rip, rop. Tem coisas que me dão calafrios. Como a hegemonia do rap e a presença de DJs em apresentações musicais. DJ agora é instrumentista ou intérprete? Parece que é. O fato é que degringolamos de maneira completa. Ficamos mal com Deus.

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