11 de setembro de 2006

NATUREZA SOLENE




Nei Duclós

A relação com a natureza deve ser solene, longe dos sentimentos descartáveis, do uso fundado em superficialidades, dos gestos vazios, dos olhares cômicos. Toda paisagem é ancestral e nos remete a verdades como a eternidade ou a morte. Por estarmos num planeta que vaga pelo céu, por força de muitos mistérios, ficamos amedrontados com o que nos dizem as estações, as catástrofes, os eclipses, as estrelas, o mar, a montanha. O temor nos transforma em habitantes rasos numa abóbada de cristal, pois fugimos das catedrais do Acaso quando encaramos com demasiada obsessão as rotinas que nos cercam.

Mas ser solene não quer dizer ser metido a sério. Nada mais chato do que aturar a pose de olhares longos ou conversas fúteis vestidas de filosofia barata. O humor faz parte do necessário distanciamento que precisamos ter para conviver com a obrigatória grandeza da paisagem. O humor nos refresca a mente e nos ajuda a sobreviver, mas jamais nos transforma em palhaços. Rir diante do espelho é qualidade das pessoas realmente sérias. E franzir o sobrecenho em hábitos de sobrecasaca faz parte de uma história universal do ridículo.

Podem achar que é sofisticado demais entender a seriedade quando alguém está sendo leve nos comentários, autocrítico na conversa, criativo nas cenas que descreve. É mais fácil a linha pão-pão, queijo-queijo. Segundo esse conceito, se você quer ser sério, então feche a cara. E se você for um tolo, ria. Não deveria haver esse equívoco.

A comédia clássica já nos ensinou o caminho da tragédia e o melodrama provou o quanto é fútil o esforço óbvio de ser grave e taciturno. Sabemos também que, ao fingir seriedade, muita personalidade pública quer mesmo é esconder a pândega que pode fazer com o patrimônio nacional.

Ter com a natureza uma relação solene nos leva obrigatoriamente para o respeito com a paisagem, a defesa de sua integridade, a busca de soluções para diminuir a agressão ambiental. O problema é que a violência contra os recursos naturais cresce e avança, ao mesmo tempo em que o discurso a favor da sua preservação aumenta.

A contradição então se torna mais aguda: quanto mais metidos a sério os argumentos contra o desmatamento e a destruição do solo, mais risível é a situação do território que gerações passadas conquistaram com sacrifício.

A solução não é incrementar o discurso e o número de eventos ou difundir mais mensagens de boas intenções. Mas aprofundar a relação solene com a natureza por meio da arte. O cinema, a pintura, o romance, a crônica, o conto precisam resgatar esse sentimento grandioso que sempre tivemos em relação à natureza. É costume rir dos antepassados, que teriam medo de cataclismas. Ou rir da identificação das manifestações naturais com deuses em forma humana. Fala-se do medo do trovão, que teria gerado Tupã, o incômodo caminhante do céu nublado que assustava os moradores das selvas.

Mas a relação solene não significa esse tipo de retrocesso. É possível emocionar-se com a natureza sem precisar se ajoelhar diante dela. Basta escutar o vento. Ele ensina coisas e te deixa sério como os heróis antes da batalha. Habitado por essa força, você passará por cima de qualquer gargalhada que tentar identificar a ética da tua percepção com alguma piada sem graça.

RETORNO - 1. Esta crônica foi publicada no caderno Variedades de hoje do Diário Catarinense. Mas, no site do jornal, o clicrbs não assinou meu nome. Sou interino do jornalista e escritor Sergio da Costa Ramos, mas, no site, meu nome não aparece na coluna. Isso será corrigido ao longo do dia. Faz um mês que o clicrbs assina meu nome na cronica de Maicon Tenfen, "A marquesa saiu às cinco horas". Tudo isso gera confusão de autoria.2. O escritor em plena forma: Urariano Mota e "A Segunda Morte de Trotsky", no La Insignia. 3. A foto é de Anderson Petroceli, que tem uma relação solene com a paisagem da fronteira.

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