26 de setembro de 2006

O FIM DA FAMÍLIA





Nei Duclós

Família é a única concorrência a qualquer outro poder, como o Estado ou o sistema financeiro. Pode ser até aliada deles, pode reproduzir o que é imposto, mas normalmente mantém a independência, a verdadeira divisão em relação aos ditadores. Pai, mãe, quando assumem de verdade seus papéis, são exemplos mais poderosos do que qualquer estadista. Formam personalidades e são referência obrigatória para toda a vida. Quando estão bem distantes no tempo, eis que você, fisicamente, fica igual a eles. É o momento em que te avisam: vieste de corpos como o teu e pertences a uma linhagem que não podes negar. Por isso é fundamental destruir a família para imperar. É o que faz a pirataria financeira internacional, que tornou todo mundo disponível para o que chamam de carreira e que nada mais é do que servidão. A ditadura recebe um valioso reforço: o da televisão, que se esmera em rebentar com o núcleo familiar, desmoralizando a autoridade dos pais por meio de cenas diárias em que os filhos destratam quem os gerou e estes pedem mil desculpas pelo fato de serem assim tão precários e horríveis.

BAMBOLÊ - A juventude é a humanidade descartável: sempre tem alguém mais moço para substituir e alimentar a máquina de moer carne. O que fazer com quem amadurece? Primeiro, deve-se colocar à mercê dos pivetes desaforados e malcriados em frente às câmaras. Depois, fazê-los trair sua função familiar, fugindo das responsabilidades e cometendo sandices. E depois, no que chamam melhor idade, fazê-los girar bambolê na cintura e levantar os bracinhos cantando mamãe eu quero para que aproveitem a vida e assim abdiquem da solenidade que o tempo nos outorga em experiência e sabedoria. É preciso deixar tudo ao encargo do poder que nos massacra. Eles sabem o que fazem. Eles sucateiam o Estado, privatizam a véia, colocam títeres nos cargos maiores, incentivam a separação, se apropriam da vida pessoal e depois fazem comerciais onde pessoas em câmara lenta sorriem falsamente para anunciar margarina, celular, viagens. A família é mais embaixo, na base. Não se presta a esse tipo de expediente. Por isso é considerada uma coisa babaca, não só para ser desmoralizada como para ser usada como modelo publicitário. Na hora em que eles erradicam a família, é hora de reconstrui-la com pais amigões, mães que jamais passaram pela maternidade e filhos sabichões que dão o recado dos produtos.

IBOPE - Desconfiava de tudo isso até que o autor da novela das nove, Manoel Carlos, ontem na Ilustrada, confirmou. Ele diz que precisa vilanizar as mocinhas e fazer com que filhos destratem os pais, pois assim o Ibope sobe. Quando alguém pensa uma barbaridade dessas e acha que está com a razão, nada como o Ibope para justificar tudo. Como se o Ibope fosse infalível. Fica evidente que a maioria das atrizes na televisão, em vez de apenas falar, costumam dar. Elas dão quando falam. Ou então cometem alguma maldade, destilam algum veneno, fazem uma cena de histeria, contra empregadas uniformizadas de preferência. É uma escola de vacas. Isso, claro, não influencia em nada, como costumam dizer. Tudo é obra do Acaso e se a família está ruim a culpa não é da TV. É claro que não é apenas da TV. A TV é instrumento de opressão e ajuda a acabar com a família para que todos desçam do pedestal da cidadania e chafurdem no consumo desenfreado. Como disse Ricardo Darin no filme O Clube da Lua: "Descobri que posso viver sem cartão de crédito, sem TV a cabo, sem emprego. Mas que não posso viver sem o amor da minha mulher e o respeito dos meus filhos". Bingo.

ANACRONISMO - No Mais! de domingo, na Folha, um tal Bernard Henri-Lévy assume o papel do pensamento francês traidor do movimento. Adora o Império americano, dizendo que ele não existe, diz que o antiamericanismo é a religião global da atualidade e que a nação americana é fundada em princípios e não em raça. Só em tese. A América é um Império racista que se impôs pela força predadora contra outros países. Mas o tal Henri-Lévy fez um passeio pelos Estados Unidos, indo até a mansão de Graceland para celebrar o fato de Elvis não ter morrido, e ainda tem o desplante de dizer que baseou seu relato, que virou livro, em Tocqueville. Flor do anacronismo, Henri-Lévy deve ser combatido pelo pensamento livre, senão esse tipo de asneira acaba sendo entronizada.

RETORNO - Imagem de hoje: Família de saltimbancos, de Pablo Picasso (1905).

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