12 de janeiro de 2007

AI DE TI, SÃO PAULO





O Metrô não tem culpa de nada. O problema é o solo, que é instável. Onde já se viu, São Paulo, teres solo tão instável? Por tua culpa, o chão cedeu e engoliu caminhões, mas as assessorias de imprensa garantem que não morreu ninguém. Ah, bom. É uma pena que o solo tão instável continue cedendo e a cratera aumentando. Talvez os 30 diâmetros iniciais cheguem ao bairro de Pinheiros inteiro. Talvez esse solo tão gentil, São Paulo, que a todos acolhe, esteja cansado de tanto abuso.

Te abriram como se fossem tatus ensandecidos. Te perfuraram inteira, para construir túneis, que passam por todo canto, até mesmo por debaixo do rio. Eram necessários, pois tua superfície não suportava mais a carga de gente que chega para pedir socorro em tuas ruas, empresas, casas. Acharam que eras imortal, cidade querida. Por isso és culpada por expores a céu aberto a loucura humana que tomou conta do país.

Como um São Sebastião amarrado a um poste, todas as setas te perfuraram. Picharam todos os edifícios, favelizaram tudo. Usaram até o osso tua vocação para a generosidade. Tudo sai de ti, São Paulo. Tanto dinheiro, tanta criação, cultura, sabedoria, experiência, vivência. Em ti aprendemos o que é ser cidadão de um país e do mundo. Não estás amarrada a mesquinharias provincianas, mesmo quen isso também teime em medrar em ti. Em teu colo pousam todas as ousadias de quem deixou tudo para trás para te conhecer, São Paulo. Ai de ti, cidade amada. Toda a poluição confluiu para teu regaço e agora, com as vísceras em fiapos, cospem no teu solo como se fosses uma traidora.

É que disseste basta, São Paulo. Nem querias chegar a tanto. Imaginavas que todos os alertas, como pontes que tremem, ruas que não andam, violência e miséria, eram suficientes para que mudassem de rumo. Mas insistem, São Paulo. Querem mais de ti sem nada te dar em troca. Por isso uma parte de ti, pequena, mas importante, agoniza enquanto os besouros da mídia voejam ao redor da cratera, a informar a quantidade de quilômetros de engarrafamento e a celebrar o próprio ofício, de dar o serviço sobre a tragédia.

Ai de ti, São Paulo, que me recebeste como a um filho e aos meus filhos acolheu e serviu de terra natal. Ai de ti, cidade amada, na mão de tantos gângsters. Teus donos preferem passear de helicóptero, São Paulo. Não suportam o que fizeram contigo, por isso te evitam. És um recorte urbano de dor no horizonte sangrado da Pátria. Virou fora de moda falar em Pátria, cidade amada. Falam em mercado, parece que essa Linha Amarela não é pública, é privatizada. Longe de mim querer colocar a culpa na engenharia, tão ciosa de seus feitos. A culpa é tua, São Paulo. Não permitiste que te furassem mais uma vez, do mesmo jeito de sempre. Por isso cedeste e caíste como um saco de ferro velho nas profundezas de teu solo contaminado.

Te rebentaram, São Paulo. Mas vão consertar tudo. Tudo isso será esquecido. O metrô passará dentro de ti, como sempre. Nem inventes de morrer. É só uma ferida aberta, que vai cicatrizar. Fico pensando mesmo é no teu coração, cidade da minha vida. Como deve estar machucado. E eu longe de ti, expulso pela ferragem que tomou conta de tuas praças, da fuligem que derrotou o arvoredo de teus casarios. Longe do teu coração de ouro, não o ouro dos tolos, mas o ouro dos jardins mágicos, o do pote no fim do arco-íris. Te caluniaram como se fosses uma cidade hostil, mas isso jamais explicaria porque és tão amada. Simplesmente destruíram o que tinhas de melhor e mais valioso.

Mas sei que resistes, cidade. Sei que és de fato imortal. E poderás até tragar tudo e todos com tua queda, mas isso jamais será ódio do teu solo. Porque és o chão que beijamos em nossa lembrança, porque tudo veio de ti, São Paulo, e tudo continuará vindo, pois ao contrário do que dizem, és mais dura do que o concreto que toma conta de ti. Tens a dureza da História, a que se eterniza no coração dos seus filhos.

RETORNO - A imagem é de São Sebastião, representativa de São Paulo hoje.

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