5 de fevereiro de 2007

EM TORNO DE VÉSPER

DIÁRIO DA FONTE




Converso com Vésper, toda vez que assoma no céu do país que eu amo. Faço sempre um pedido, às vezes dois, que são atendidos. Porque Vésper é anunciadora de estrelas, farol de um anoitecer extremo. Tantas vezes náufrago, dela me sirvo para orientar o rumo. Navego o olhar em sua direção, balão de promessas, e acato suas decisões, inspiradas por visões noturnas.

Ainda é branco o céu, pálido diante do dia exangue, quando ela vem tomar seu posto, acima do horizonte do verão. É talvez um gesto seu que faz desencadear as constelações, rastro luminoso de duendes ocultos, os que se fazem representar pelas nuvens roxas do ângelus. Passaporte para o veludo salpicado de brilhos, ela forra o teto do mundo antes de diminuir de tamanho e se confundir com tudo.

Onde está Vésper depois que anoitece? Na corte da lua cheia, sem dúvida, onde divide posições de semeaduras. De lá ela providencia marés e chuvas, e talvez, glória suprema, mais um dia perfeito desenhado na prancha grávida de futuros. Ela fecha o ciclo do dia onde encontramos paz e promete a manhã seguinte com seu carimbo de sonhos.

Balanço na varanda tomado pela visão de Vésper, deusa soberana que encerra o diamante do amanhecer. É sempre a mesma, a primeira que surge, quando o tempo duela consigo mesmo e reparte os momentos como Deus em pleno gênesis. Mas ela não quer poder e sim o manso rio de sua própria aventura. Lição de coisas, torre de abismos, sutil princesa sem sustos. Vejo-te quieta como um sinal de vidas eternas, almas que não somem, carnes que ressuscitam.

Somos palavras engatilhadas como soluços, que contigo cruzam o mar de enigmas. Nosso discurso precisa de ti, vagalume ao redor de cíclopes. És o olho aberto para quem precisa viver mais uma vez para que os acertos definam o destino. Reestudamos teu curso como os antigos sábios abriam mapas de pergaminho. Adaptamos nosso fruto, como árvore que aprende segredos. Sabemos pouco e isso nos serve de alimento, desde que possamos vê-la, presente com suas algemas de prata, a prender a atenção como um redemoinho.

Converso com Vésper, luz de uma eternidade em suspenso. Só por um instante, pois não há catedrais que te religuem. Flutuas na imensidão de nossas dúvidas e recolhes as folhas que deixamos no chão de tanta espera. Aguardamos a música que descreves em curvas acima da montanha encantada pelo calor da estação. E ela vem, como um véu de faíscas imaginadas, envolvendo a paisagem com um novo estribilho. Canto contigo, estrela nua. Escuto a mocidade do amor, vitória régia. Pouso em ti como um pássaro na gruta. E faço uma oração para continuar aqui, no país que construo, longe do ruído que tenta nos enganar.

Vésper, cupido que usa flor e lança perfumes. Atenda minha oração, soberana que chega até nós com seu séquito de trunfos. Fique ao meu lado, estrela que adormece entre sussurros.

RETORNO - Imagem de hoje: Vênus, na melhor versão, a do mito.

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