1 de fevereiro de 2007

O VENDEDOR DE LIVROS



Recebo visita apenas de evangélicos que querem me ler a Bíblia. Eles passam no domingo, quase que uniformizados, com chapéus e pastas e têm aquela certeza de que estão disseminando a boa nova ao gentio. Costumo invocar a Virgem Maria para fazê-los desistir. Mas eles voltam, insistem. Lembro da abordagem dos vendedores de enciclopédias, agora mais raros, mas que continuam na ativa. Os professores estão exigindo fontes impressas, para acabar com o plágio tirado da internet. Então os vendedores continuam oferecendo seus volumes de luxo. Eu também entrei na roda. Ofereço meu livro de conto e crônicas para os que passam, para a vizinhança, para os trabalhadores do comércio, para conhecidos e até mesmo alguns turistas, esses mais avessos à leitura, pois preferem sorvete e cerveja, o que está nos seus direitos.


Um livro não é necessário, ainda mais um que publiquei. Preciso convencê-los de que estão adquirindo uma seleta de crônicas que têm tudo a ver com o mundo que os cerca. É uma relação poética com a paisagem, digo em meus argumentos. Para quem exibe uma reação avessa logo no primeiro olhar, nem insisto. Mas para quem oferece dúvidas, entro com minhas palavras sobre o livro. Por que eles teriam que adquiri-lo? Porque é bom e o autor está na sua frente. Isso tem grande poder de persuasão, pois muitos nunca viram um autor ao vivo. Normalmente há gentileza, mesmo na recusas. E um certo entusiasmo quando se convencem. É bom conquistar leitores.


Enquanto isso, alguns exemplares que deixei em livrarias continuam lá, concorrendo com todos os best-sellers do mundo. Um autor veterano e ainda emergente não tem muita chance diante da avassaladora presença de títulos variados, apelando para as necessidades do leitor. Quem roubou meu queijo? Maria Madalena é o Santa Graal? Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Sexo é prosa, amor é poesia (ou algo assim). Não há perigo de melhorar. Em compensação, aperto a mão do poeta e artista Rodrigo de Haro, filho do pintor maior Martinho de Haro, que me confessa ter perdido duas noites de sono lendo O Refúgio do Príncipe. Elogiou as imagens vivas e fortes e isso me deixa feliz, pois Rodrigo é poeta excelente e importante e tem uma erudição transbordante, que nos cativa na conversa.


É a segunda vez que saio à luta para vender meu peixe. Fiz isso antes, com poemas em cartolina, expostos na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, junto com Marco Celso Viola, em 1969. Cada poema, escrito em pincel atômico sobre cartolina branca, custava um cruzeiro. Vendíamos um e íamos tirar a barriga da miséria. Um bom café, pão e manteiga. É assim a vida de escritor no Brasil. Hoje, tenho uma edição caprichada, com capa de Juliana Duclós, que fisga no primeiro olhar. Falo que o livro tem histórias da Lagoa, dos Ingleses, do morro da Cruz. Há a tentação da curiosidade. E, claro, o reconhecimento que o autor está ali, pagando o maior mico, só para levar adiante o que sonhou e trabalhou por anos.


Sou o vendedor do meu livro. Trago imagens debaixo do braço que ficarão na tua cabeceira, na rede onde descansas as retinas. Alguém da tua família poderá ler também. O livro assim cumpre seu destino e vai se disseminando aos poucos, como água da fonte vinda da montanha que pela primeira vez experimenta a planície. Há ruínas pelo caminho. Há indecisões, arrependimentos, medos. Mas há também penhascos à beira mar, quando enfim as palavras deságuam no grande estuário da humanidade. É muito para um livro feito aos poucos, nessa minha providencial mudança para Florianópolis, cidade que amo entre várias outras. Sou o vendedor do meu livro. Faço preço especial para quem compra direto de mim. São meus direitos autorais que tiro em exemplares. O best-seller novinho e caro tem seu charme. Mas o que te ofereço é pura poesia e essa deve ter um lugar especial na sua mente e no seu coração.


RETORNO - Imagem de hoje: Fada Madrinha, pintura de Juliana Duclós.

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