2 de fevereiro de 2007




ROMPER COM A INDIFERENÇA



Comigo acontece muito. No momento em que você encontra algo realmente importante para dizer ou contar, imediatamente a boca do interlocutor se abre vagarosamente no início de um longo bocejo. Parece de propósito. Talvez o objetivo seja cortar o mal (teu entusiasmo, o prazer de falar) pela raiz. Talvez nossa intervenção seja só um acidente do percurso verdadeiro, que é a fala de quem domina a conversa. Nada existe fora das pessoas. Tudo se reporta a cada uma delas. Ontem mesmo no ônibus uma mulher engatou a primeira, a segunda, e todas as marchas numa história interminável sobre sua vida, enquanto a pobre da companheira de banco olhava de maneira exausta aquela narrativa sem fim.


A única coisa mesmo que chama a atenção e que reúne as pessoas em estrondosos bandos de falas interessadíssimas é a violência. Acidente, assassinato, briga doméstica que acaba na polícia, tudo isso faz com que a humanidade se reconheça como espécie. Acho que nem é tanto o fato de celebrar a desgraça alheia, ou nela se reconhecer integralmente. Mas sim a constatação de que a cultura, que deveria ocupar as cabeças e mentes, está totalmente ausente, e só existe a barbárie como referência. O Outro, essa criatura anti-natural (por se situar fora do mundo conhecido), depende de formação cultural para ser identificado.


Vejo o belo filme de Roger Donaldson sobre Burt Munro, o neozelandês que em 1967 cruzou o mundo para bater recordes de velocidade com sua velha moto. Quando vi o trailer, tive péssima impressão do filme. Achei que era sobre corrida de moto, essas besteiras. Mas é sobre a saga de alguém determinado, um velho que decide fazer algo grandioso da sua vida. Anthony Hopkins está magistral no papel. O roteiro, do próprio Donaldson, foi escrito em 1980. O cara leva uma vida para realizar um sonho, o filme sobre o esportista veterano que colocou a Nova Zelândia no mapa. Aí vem o marketing e o embala como se fosse uma besteira qualquer.


Trata-se de um road movies, em que o protagonista vai interagindo com pessoas ao longo do caminho. Pessoas isoladas pela indiferença ambiente, que vêem no viajante uma oportunidade de interagir. São cenas tocantes de Munro com o velho índio (que lhe presenteia testículos moídos de cachorro para curar a próstata), a viúva (que o convida para uma noite de sexo), a drag (que se encanta com seu cavalheirismo) e o soldado do Vietnã, brutalizado pela guerra e que vê em Munro a passagem de uma vida dedicada à paz e à alegria.


O herói vai rompendo a indiferença, inclusive dos organizadores da corrida onde ele quer bater o recorde. A todos encanta com sua sinceridade e sua força de vontade. E vence porque não enxerga nos seus semelhantes motivos para detestar a vida. A sorte conflui para ele, atraída pelo charme do cara que enfrentou a indiferença e o descrédito para chegar onde queria. Maravilhoso filme que merece ser visto. É de 2005. O título em português é uma bobagem: Desafiando os limites.


RETORNO - Imagem de hoje: Anthony Hopkins no papel de Burt Munro.

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