6 de setembro de 2007

O MUNDO BIZARRO


Mundo é uma palavra que carrega hoje os pecados humanos. O que ela tinha de bom foi terceirizado para a palavra planeta. Mundo tem fronteiras, guerras, catástrofes. Planeta é pura ecologia, harmonia, Gaia. Um furacão provoca medo e destruição no mundo, mas é apenas uma das múltiplas manifestações naturais do planeta. O planeta é vítima, o mundo é algoz. Até os melhores do mundo migram céleremente para os melhores do planeta. Como se atletas, artistas, gênios, concorressem com seres de outros mundos, ops, outros planetas.


Não existe planeta paralelo, nem poderia: esse troço gigantesco boiando no éter (ainda existe o éter?) não admite concorrência. É concreto demais para ser suplantado por algo virtual. Mas existe sim mundo paralelo, ou bizarro, como querem os quadrinhos (ou comics, vá lá). Algo que acontece em outra dimensão, onde tudo parece igual, mas pertence à realidade por trás ou dentro do espelho. Existe um eu bizarro fazendo estrepolias no mundo paralelo. A mecânica quântica, que inspirou ou talvez tenha se influenciado pela criatividade cultural , não nos informa, penso eu, do que é feito das cenas do mundo paralelo que são superadas pela realidade.

Ou seja, se o mundo bizarro é uma das probabilidades do universo, quando optamos pelo que chamamos realidade, do que é feito esse espaço/tempo que ficou enjeitado? Existiria toda uma tralha de não-acontecimentos assombrando o mundo real? É possível viajar para esses confins, tão próximos/distantes de nós? Digo isso não só por ter visto a bobagem Premonições, com Sandra Bullock (gostamos dela, é talvez a maior empatia feminina atual do cinema, por isso não podemos avaliar se é mesmo a boa atriz que parece ser).

Nesse filme, ela alterna dias reais com dias do mundo bizarro, onde o marido está morto. Aproveita esse dom para tentar impedir a tragédia. Mas o roteiro não amarra tudo e as coisas ficam meio no ar. Se me perguntassem, diria que não vale a pena ver, a não ser por Bullock, sempre fina (jamais a vemos trepando que nem louca diante das câmaras em pânico, como acontece com 99% das atrizes hoje, de qualquer idade). Sandra domina o ofício, produz o que representa e talvez merecesse um grande diretor para fazê-la extrapolar esse mundinho a que ela se limita, em favor da bilheteria e de uma vida tranqüila.

Lembro agora que Sandra uma vez, numa entrevista, disse que tinha duas casas, com turmas de amigos diferentes, com hábitos diversos. Uma fica em Seattle, que é seu espaço doméstico e outra em Los Angeles, se não me engano, que é onde se concentra profissionalmente. Dois mundos, qual é o paralelo? Podemos fazer essa pergunta para nós mesmos. Nossa realidade é a casa ou o trabalho? Uma coisa não é extensão da outra, mas vivemos igualmente, e de maneira intensa, nas duas. Há ainda outra divisão, mais profunda.

O mundo bizarro, ou paralelo, é a publicidade. Você liga no noticiário e o que vê? O Congresso perdendo tempo, como sempre, com seus erros; os mais hediondos crimes; a morte de Luciano Pavarotti; terremotos em vários lugares. Corta para os anúncios: crianças e adultos confraternizam numa sucessão de cenas fofas; alguém se rebolando em frente ao espelho; um carro do ano trafegando em ruas vazias; mesa familiar com muita encenação falsa de rotina amorosa. Não há morte no universo publicitário (por serem exceção, as campanhas da Benneton só confirmam essa bizarrice). Lá, qualquer um é eterno.

O recado faz parte do mundo bizarro, ou seja, inverte os significados recorrentes das duas palavras: não se aflija com as misérias do planeta, existe um mundo de oportunidades esperando por você. Basta você abrir a carteira, se endividar, consumir o que não pode. Nesse mundo sem fronteiras, que é o seu, o meu, o nosso querido planeta, tudo pode acontecer. Relaxe e goze.

RETORNO - Imagem de hoje: Sandra Bullock em "Premonições", filme lançado este ano nos Estados Unidos e que já está nas locadoras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário