26 de outubro de 2007

OLHO BRANCO NÃO REVERTE


Olho branco é aquele jorro de suspeita que cai sobre uma criatura. Por mais que ela se movimente, se justifique, se explique, mais se enreda. Para funcionar, o olho branco precisa vir de quem tem poder, uma autoridade ou uma turba armada de mídia até os dentes. Vamos pegar dois casos de pessoas que foram alvo do olho branco. Uma delas é o Padre Julio Lancellotti, de São Paulo. Há quanto tempo lemos que o padre está sob a mira dos esquadrões da morte, os que sapateiam em cima da miséria da infância e adolescência abandonada? Eu leio há séculos. Pois agora encontraram um bom motivo para enredá-lo.

O padre, segundo seu depoimento à polícia, foi chantageado por alguém que ele sonhava em ajudar, em “tocar no seu coração para entender”, como disse. Imediatamente o caso virou um assunto de pedofilia. Claro, era isso que seus adversários queriam. Já que o padre cuida dos menores, e além disso é padre (há uma onda mundial de condenações de sacerdotes impondo sexo a crianças), então bingo. Como ninguém segue o noticiário de maneira isenta, aprofundada (a mídia não permite), então fica a percepção de que o padre teve o que merecia.

Mesmo que prove sua inocência, está já condenado. Que história é essa de pagar grandes quantias de dinheiro para aplacar a chantagem? E o Pajero? Notem que tem sempre um carrão em qualquer escândalo. O carrão é o símbolo da prepotência e da impunidade. Esta é uma situação complicada. Se for comprovada a culpa, deve ser levado em consideração o período em que o padre foi acusado, pressionado, cercado, caluniado. O olho branco escolheu-o e a vítima está frita.

Culpado ou inocente, o que conta é a versão cristalizada pela má-fé. Pois só pode ser má-fé colocar em suspeita um trabalho social como o do padre Julio Lancellotti, que arrisca a vida todos os dias para temperar um problema causado por décadas de ditadura brasileira.

Outra pessoa que caiu nas garras da condenação de massa foi o genetecista James Watson, prêmio Nobel de Medicina de 1962 e um dos co-autores da descoberta do DNA. Ele falou (e depois explicou num artigo) que há diferenças de inteligência provocadas pelos gens. Usou um exemplo infeliz, o dos africanos, mas disse à exaustão que não considerava os africanos inferiores, apenas diferentes. Como raça não existe, é claro que Watson cometeu um crime de opinião gigantesco, mas o que destaco aqui é a força do olho branco. Existe em escala mundial uma enorme má vontade em relação a qualquer tipo de opinião divergente do chamado politicamente correto.

Não se pode cometer nenhum deslize sob pena de ser colhido pela indústria da vilanização. Será que todos os que destruíram a reputação de Watson, eliminando sua chance de dar uma série de conferências, são tão inocentes assim? O racismo tem raízes profundas e não é exclusivo de Watson. A verdade é que os estudos da genética ainda estão no início. Por enquanto, parece que tudo é atribuído aos gens. Esse erro fundamental aos poucos vai ser eliminado por pesquisas científicas. É o que esperamos.

Deveriam aproveitar a declaração desastrada de Watson para discutir a influência dos estudos da genética na reiteração do racismo. Deveriam manter suas conferências e sabatiná-lo. E não simplesmente mandar o velhinho (ele tem 79 anos) de volta para casa. Não deve haver maior amargura do que ser colhido por uma tempestade de olho branco, e ficar observando o quanto existe de prestígio imerecido entre aqueles que posam de heróis da opinião correta.

Não conheço o trabalho de Watson, não defendo sua declaração. Apenas aponto o perigo da brutalidade da indústria midiática que pode escolher qualquer um para destruir vidas e carreiras. Ontem, o Linha Direta, da Globo, abordou o assassinato de uma menina no Rio, em 1985. Os assassinos estão soltos. O principal cumpriu nove anos, o outro nem isso (há um terceiro, que morreu mais tarde de ataque cardíaco). O cara que matou está jogando vôlei na praia. Quando não há interesse, deixa-se para lá. Só existe condenação de verdade quando, por trás das falsas virtudes, se escondem os mais torpes interesses.

Em relação ao Padre Julio Lancellotti, sabemos qual é. Tem gente que quer continuar matando impunemente, pois vivem dessa indústria. Em relação a Watson (que, insisto, errou, não me venham de olho branco para cá), qual será? Uma coisa que me invoca é o seguinte. Por que fazem tanta questão de chamar de afro-descendente as pessoas de pele negra? Descobriram esses tempos que uma ginasta negra brasileira tinha 60 por cento de “sangue” europeu. Se for descendente de alemão ou italiano, é batata: é alemão ou italiano mesmo, e não euro-descendente. Se for negro, é afro-descendente?

O que existem são os brasileiros, mas todos sabemos que os brasileiros não existem. Ou pelo menos, não existem mais. Brasileiro não serve para se descolar uma grana preta do imperialismo metido a ético. Agora, se houver negro na parada, opa! Paris, aqui vão eles.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto de Marcelo Min. 2. Atenção : "olho branco" é uma expressão antiga e conhecida. Nada tem a ver com a cor branca ou negra da pele.

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