4 de novembro de 2007

CHUTAR O BALDE


O bom-mocismo pensante não inclui nada que seja estranho ao equilíbrio dos gestos e expressões que representam os grandes pensadores. Quais são esses gestos e expressões? Todos conhecem e são desdobramentos da obra “O Pensador”, de Rodin. O cenho carregado, a mão semi-fechada com o dedo indicador estendido acompanhando a linha da boca, o tronco levemente inclinado, a ruga significativa na testa. Para que servem? Para orientar o vulgo sobre quem dá as cartas na produção de pensamento.

Você até pode imitá-los, mas vão deixar você a ver navios pois ninguém vai assestar as câmaras para seu rosto carregado de insights, a não ser que esteja acompanhando com o olhar alguém que está deitando e rolando nas palavras. Normalmente, quem é platéia clona o proferidor de “coisas como um todo”, ao mesmo tempo em que lança um olhar assassino para quem está ao redor. Significa que o grandalhão bem pensante está falando para esse marmanjo da platéia, que servirá de reprodutor daquelas idéias para a massa ignara que o acompanha fisicamente, repartindo lugares na fila do gargarejo.

Portanto, não se iluda achando que vão prestar atenção em você, especialmente se você chutar o balde e tentar desmascarar essas nulidades bem remuneradas. Vejam o caso do eminente filósofo tucano. Ele diz neste domingo no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, que “o bom momento que vive a economia brasileira acentua, por contraste, a fragilidade das instituições democráticas no país”. Começa seu artigo com a expressão “faz pensar”. O que faz pensar é quanto ele ganha para escrever barbaridades. O que chama de fragilidade das instituições democráticas não passa de ditadura. E o que chama de bom momento da economia nada mais é do que superconcentração de renda, negociatas internacionais, sucateamento da poupança nacional, entre outras sacanagens.

Hugo Carvana, que recentemente deu entrevista para a Angélica do alto de sua mansão rural, escreve no mesmo caderno que “O cinema, para mim, não é resultado de um processo intelectual; não pretendo mudar o mundo”. O ator de “Os fuzis” e o reiterador da figura do malandro no imaginário brasileiro nem precisava assinar esse atestado da pior ideologia. O cinema é sim resultado de um processo intelectual, senão não teríamos nenhum dos grandes cineastas. E o cinema já mudou o mundo, então Carvana ficou de fora.

Mas Carvana é necessário para confirmar a miséria filosófica em que estamos mergulhados. É importante dizer todos os dias, minutos, horas e segundos que o capitalismo, que transformou todos nós em mercadoria, é irreversível e onipotente, não adianta espernear. Certo? Não chute o balde lembrando que “Os Fuzis”, de Ruy Guerra, é sobre a tomada de posição de alguns soldados que não se conformaram em ver a comida sendo impedida de chegar aos famintos do Nordeste. E que correu bala exatamente para transformar o mundo, para impedir as injustiças, impedir que nababos ostentando mansões cuspam em que está embaixo.

No mesmo caderno, outro sujeito escreve que Pelé “restará como uma das relíquias do getulismo”. Disse de maneira debochada, como se o Rei fosse mosca a ser estapeada pela mediocridade, como se Getúlio Vargas fosse o resultado das defecções do articulista. Aliás, há uma má vontade dos bem pensantes contra a Copa do mundo no Brasil em 2014. A Copa deveria ser no Brasil muitas vezes, somos pentacampeões ou não? Mas eles gostam mesmo é do futebol inglês, tanto é que no esmo caderno debocham da Copa brasileira e publicam texto condoreiro sobre um time inglês. Adoram dizer football association. Enquanto desancam Romário e Pelé.

Sabemos assim para que servem os bem pensantes: para entregar o país soberano. E para que serve chutar o balde: para denunciar essa canalha e mirar bem no miolo deles, porque lá é que eles formatam essa merda toda.

RETORNO – Imagem de hoje: Nelson Xavier em "Os Fuzis", clássico do cinema intelectual e de confronto, de Ruy Guerra.

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