3 de dezembro de 2007

HISTÓRIAS DE RIPIS


Descobri quem eu era em Vitória do Espírito Santo. Estava num elevador e uma moça disse: "Você é ripi". Até hoje não atino o motivo de semelhante identificação. Eu usava um cabelo comprido que pelo uso constante do mar ficou um só nó na metade da cabeça, que sumiu depois que usei uma tesoura daquelas de cortar roupa. Pus o mesmo jeans enfeitado de grega por um ano, tanto que o diretor de redação da Tribuna, o Paulo Torre, se desesperou: "Pelo amor de Deus, não agüento mais essa roupa, você não tem outra?" Não tinha.

Havia chegado na cidade com uma mochila nas costas. Costumava conversar sentando no chão. Para quem não sabia o que eu realmente guardava dentro de mim, ou seja, teses marxistas e grandes fumaças da intelectualidade, achavam que eu era um ripi qualquer, daqueles que tomavam xarope Romilar para dar barato, por falta de dinheiro para drogas mais nobres. Como eu fui encarado como parte da tribo, meus pares se chegaram. Dos ripis dos anos 60 e 70 tenho algumas histórias, todas edificantes. Vamos a algumas delas.

TARTARUGUINHA – Amigo meu mostrou seu mimo: uma tartaruguinha que ele tinha comprado de um camelô. Sua intenção era salvar a pequena criatura. Disse que o mundo mau excluíra todas as possibilidades de sobrevivência daquele ser vivo e que só ele, com sua alma mansa e a cabeça feita, poderia dar um rumo ao destino ao pequeno quelônio. Pretendia jogar a mascote no lago da praça da República, a evidência mais próxima de que existia natureza no miolo daquela São Paulo sem alma.

Assim decidido, assim foi feito. Acompanhei-o até o local da sua benemérita ação. Ele então pulou o cercadinho e com as mãos trêmulas encaminhou o bichinho pra a salvação ecológica. Mal sacudiu as patinhas, obedecendo às imposições da sua natureza ainda intacta, eis que o movimento, e possivelmente o cheiro, atraiu um aqueles marrecos que medravam no lago da Praça da República. O canibal se aproximou com rapidez e nhac, abocanhou a tartaruguinha, engolindo-se num só fôlego. O que deixou meu amigo mudo. Nem chegou a ficar desconsolado. Ficou com os olhos envidraçados pela revelação que acabara de ter. Acho que deixou de ser ripi ali.

MORRO DO QUEROSENE – A outra história soube por terceiros. Dupla de puxadores de fumo queriam comprar um tijolaço e decidiram subir até o aprazível morro do Querosene, que fica nas imediações do bairro da Previdência em São Paulo. Os dois manés encontraram perigoso facínora que servia de intermediário para a transação. Tudo combinado, com muitos olhos piscantes de excitação pela grama que estava por chegar, ficaram de passar mais tarde. Exatamente quando a noite já tinha descido e a região, digamos, estava repleta de maus elementos, que olhavam os dois classe média com aquele olhar opaco da bandidagem.

Encontraram o meliante já detentor da pacoteira, que foi repassada sem maiores problemas. Como o susto era grande, pagaram e saíram quase em disparada para casa. Lá chegando, abriram o papel jornal que embrulhava o crime e decidiram quer a porção era pouca. Um dos dois, que era o mais louco, garantiu que deveriam voltar lá para tomar satisfações. Ao que o outro não replicou. Seguiu-o até que a ansiedade tomou conta. Acho que a quantidade está boa, disse, vamos voltar.

TÁXI - O mesmo abombado uma vez, com uma porção razoável no bolso, o que daria uns 15 anos de cadeia, tomou um táxi e como estava fumado, começou a falar sozinho. O motorista parou no comando e um meganha ordenou que descesse. Tremendo, ele enfiou as mãos no bolso. Num deles tinha ao fumo e no outro a carteirinha de jornalsita. O guarda pegou a carteira, sorriu e devolveu: Bons negócios! disse o fardado, e até hoje o bobalhão não sabe o que realmente isso significa.

RETORNO - Imagem de hoje: o imortal Cheap Trills. Ouvir esse disco com a Janis Joplin, naquela época, era a garantia de que estávamos no caminho da verdade. Não sei exatamente o que deu errado. O bom é que a música sobreviveu . Vai ver, estávamos certos.

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