7 de dezembro de 2007

A MANHÃ PERFEITA


Acho graça da previsão do tempo. É um pacote de informações generalistas, que aborda o assunto no atacado, quando o clima é como o sotaque e o repertório dos pássaros, extremamente localizado. No microvarejo das condições do dia, é raro existir o que chamamos de tempo firme. Sempre há algo interferindo. O inverno, por exemplo. Ou a primavera gelada. Ou o inverno, de novo, sobrevivendo em pleno dezembro. Tem os ventos, que gostam de soprar em tardes de mormaço. Não há quem agüente. Como o dia perfeito é praticamente impossível de acontecer, apostamos na manhã sem nenhum contratempo. Hoje foi assim.

Eu já tinha desistido de ver amanhecer da forma que o turista sonha encontrar a ilha. Normalmente não encontra, pois o clima aqui adora pregar peças, especialmente para quem cruza o país continente, viaja três mil quilômetros para o feriadão e paga os tubos num dos hotéis de luxo. Pois aí chove muito, venta e faz frio. Logo que os visitantes somem, apavorados com a hostilidade, eis que surge uma segunda-feira amena. Suave, mas nem tanto. É difícil fazer a manhã perfeita.

Costumo acordar cedo, pois tenho pavor de insônia e me recolho, por hábito, aí pela meia-noite. Ficar acordado quando tudo escurece, exatamente o convite para fechar os olhos, não é verdade?, é um despropósito. Quando chega a luz do sol, naturalmente somos convidados a abrir os olhos, não faz sentido? Esse negócio de boemia, de dark, de que sei, é puro deslumbramento com a invenção da luz elétrica. Quem é do interior e gosta da natureza acompanha o ritmo das rotações. É um trabalho danado dar a volta sobre si mesma, ainda mais um corpanzil gigantesco como o do nosso planeta, que se vira para que tenhamos porções justas de luz solar. Pois basta a terra se revirar para dormir que acendem todos os holofotes e baticuns possíveis.

Por isso gosto da noite para escorregar profundamente no sono e acordar com os diamantes azuis da manhã perfeita. Hoje o amanhecer caprichou porque o clima localizado neste pedaço de ilha conseguiu, depois de muita experiência com os laboratórios do erro, chegar a esses esplendor sem mácula, que faz do céu uma taça de cristal, o verde em redor um companheiro de viagem, o chão um convite ao passeio. Quando chegamos na praia, o mar estava lisinho, quase uma piscina, com um frescor raríssimo, pois costuma gelar muito por estas bandas.

E lá você fica um tempo até a manhã desdobrar-se em inúmeros espetáculos. A água no azul cerúleo, os barquinhos brancos e imóveis no horizonte, a ilha em frente que emerge subitamente, como se aparecesse pela primeira vez. Os morros ostentam tímidas bandeiras para orientar o tráfego aéreo, que graças a Deus, não existe. A não ser o da gaivota solitária, que fica um pouco na areia e de repente se arroja em direção às ondas com uma determinação invejável. Sigo o vôo colocando a mão na testa para me proteger do sol que vai ficando alto. De repente, a ave some. Mergulhou, certamente. Viu um peixe, mas como pode ter visto assim de longe uma criatura submersa no mar, que olhado à distância, é opaco (pertinho é transparente)?

O homem com a tarrafa sabe que a gaivota sacou a existência de uma presa e também se aproxima. Fica esperando, com sua ferramenta na mão, um pouco de chumbo nos dentes, os braços prontos para projetar o grande arco que vai enfim capturar a refeição do dia, ou a isca para o peixe maior, futuro. Mas a gaivota mergulhou e não voltou mais. Sumiu. Ou não mergulhou? Ou se desviou enquanto eu lutava com algum filete de sol? Ou voltou e eu nem vi? Não importa. A manhã perfeita exige um banho demorado. E lá ficamos nós, enquanto os caminhantes passam 500 vezes em nossa frente, cumprindo metas.

Não ando, observo. Olho para todos os quadrantes. Nada consta nesta manhã sem mácula. Para isso se preparou o infindável universo, por todos os séculos. Para que esta manhã chegasse até nós, habitantes do país ainda vivo. Há silêncio. Só o mar se manifesta. O som das águas são a paisagem ao redor. Fico na areia até o calor aumentar. Hora de se recolher. A manhã perfeita continuará, abrigando novos banhistas que chegam. Eu me dou por satisfeito. Volto iluminado. Valeu a pena esperar cem mil anos por este momento.

RETORNO - Imagem de hoje: praia de Ingleses, no norte da Ilha de Santa Catarina.

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