17 de fevereiro de 2008

O URSO RÓI O OSSO


Já tinha escrito sobre Tropa de Elite aqui no Diário da Fonte (texto "Osso duro de roer"), portanto posso comemorar. O filme é a denúncia e não a apologia da tortura. Ganhou de todo mundo em Berlim e José Padilha recebeu o Urso de Ouro das mãos do insuspeito Costa-Gravas, o cineasta mais politicamente correto do mundo. Enquanto isso, Cao Hamburger e os pais que saíram de férias nem sequer passaram na peneira do Oscar. Padilha, pobretão de toca na cabeça, foi rejeitado pelo bem nascido Hamburger aqui no Brasil. Quiseram ganhar Oscar com garoto judeu de classe média que sofre com a ditadura. A ditadura continua. Padilha prova isso, enquanto Hamburger, apesar de ter feito uma boa refilmagem do argentino Valentin, quer nos fazer acreditar que a tirania pertence ao passado.

É suspeito que Tropa de Elite tenha enfrentado problemas técnicos no festival, que é na Alemanha e ninguém é mais organizado do que a alemãozada. Como que a cópia só tinha dublagem em português com legendas em alemão? Como então que os jurados tiveram de ver o filme escutando a dublagem, improvisada na hora? A verdade é que ninguém apostava nesse cavalo. É a velha sina do que fazemos de importante: sempre enfrenta a má vontade aqui dentro e precisa derrubar um monte de gente importante para fazer valer seu direito. Foi assim com O Pagador de Promessas. Anselmo Duarte venceu os maiores cineastas da época, que tinham filmes de arrasar quarteirão. Pois foi lá e ganhou e por isso foi execrado por aqui.

Não se trata de lançar mão da velha história de que o Brasil odeia o sucesso. O Brasil ama o sucesso, quem quer manipular nossas vitórias é que mete os pés pelas mãos. E quem quer manipular nossas vitórias, quem diz para nos emocionar com isso ou aquilo? Lembram do massacre que foi o lançamento da porcaria Os dois filhos de Francisco, que, selecionado aqui, também não passou na peneira do Oscar? Ontem, o Jornal Nacional tratou a estupenda vitória de Padilha friamente. Como na Band, entrevistaram atores. Ninguém lembrou de entrevistar os autores do livro (também comentado aqui no Diário da Fonte) em que se baseou o filme. Luiz Eduardo Soares está dando sopa em Nova Iguaçu, assim como André Batista e Rodrigo Pimentel poderiam muito bem comentar a vitória.

Aguardei tudo isso ontem de zap na mão e não consegui ver nada. Vi apenas o Padilha de toca, meio abaixado com o peso da nova responsabilidade, sussurrar um muito obrigado e elogiar Costa-Gravas. Mas a noite era dele, não do cineasta grego. O prêmio é teu, cara, é tu o brasileiro vitorioso com uma obra porrada, que galvanizou a opinião pública, que extrapolou os limites da mídia oficial, que foi passado de mão em mão pela população empolgada de novo com o cinema nacional. Tu é o cara, Padilha, que levanta o troféu para os aplausos do mundo.

É claro que este sucesso está sendo manipulado, mas não porque o filme se presta a isso, mas porque a bandidagem na política ou fora dela sempre encontra um álibi perfeito para repassar seus recados. O filme é claro e explícito: a corrupção policial é fruto da corrupção política; a violência é a saída encontrada pela corporação pressionada pelas circunstâncias da corrupção; essa violência é uma cruz que os policiais honestos carregam e um passaporte para a completa destruição da auto-estima de toda a nação; o consumo de drogas é a conivência com o crime; a análise dos fatos tem que passar ao largo das frescuradas da pseudo análise dos pseudo-acadêmicos e se aproximar dessa guerra civil disseminada por todo o tecido social. Trata-se de denúncia e alerta e não apologia do crime. Ou será que Costa-Gravas iria colocar todo seu prestígio a perder se não soubesse o que estava fazendo, outorgando o prêmio para quem de fato merece?

RETORNO - Trecho do artigo publicado aqui dia 30 de outubro de 2007: "Tropa de Elite é sobre uma guerra coletiva, longe daqui (no cinema), aqui mesmo (ao nosso redor), para usar o título de uma peça de Antônio Bivar. É um filme que sobra. Não cabe em ataques ou defesas. É tremendamente dialético, inteligente até o osso, brutal até a exaustão, imoral, impróprio, desajustado. E super bem feito, com câmara em movimento sem frescuragens, apresentação didática dos problemas, definição antológica dos personagens (o que é aquela oficina de catraias policiais?!). É um filme de ação, sobre o Brasil que enxergamos só em parte. Agora podemos ver de frente e no final levar aquele tironaço no meio das fuças”."

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