28 de maio de 2008

O ÚLTIMO REDUTO DA LEI


A “mão” no trânsito é o último reduto da lei. Dirigir na contra-mão significa romper definitivamente com as determinações, as regras, as imposições que tentam manter a isonomia entre motoristas. É o extremo privilégio, ir contra o fluxo desafiando a lógica. É porque outra lógica se impõe no país entregue aos bandidos. É a vontade de colocar tudo de pernas para o ar, contrariar o bom-senso, desprezar os outros, arriscar a própria vida e as que estão ao redor. Só em São Paulo foram sete casos nos últimos dias, segundo a Folha, de gente envolvida nesse tipo de crime. Há várias explicações e justificativas, como alcoolismo e deficiências psíquicas.

Estou tendendo a desacreditar da loucura. Não me levem a mal. Mas você conhece alguém que comete um ato de loucura para o bem? A loucura só se manifesta para o mal, para ao assassinato, suicídio, distúrbio público, atentados etc. Se o acesso de loucura é um problema de saúde, então vamos combinar o seguinte: é preciso que um determinado número de pessoas também pirem para coisas boas. Por exemplo, sair ajudando todo mundo de maneira impensada. Fazer gentilezas fora de hora. Ousar a salvação dos outros quando tudo parece impossível. Se não a coisa está mal contada. É mole enlouquecer matando geral. Isso qualquer um faz. Deve ser gostoso destruir, já que tanta gente se especializou nesse ofício.

Mas, falávamos de trânsito. A quantidade de automóveis nas ruas é fruto de decisões políticas do passado. É quando nos entregamos como filhos da mãe para a estrangeirada. É quando decidimos transformar a região do grande ABC naquela cloaca de montadoras que produzem sem parar, para o mundo todo, automóveis que são vendidos a 70 suaves prestações. Não faz sentido. Se todos sabem que o troço vai acabar destruindo o país, já que as maiores cidades estão praticamente paradas, então por que não tomam providências?

O petróleo nas alturas é o sintoma dessa crise interminável. Se todo mundo precisa de automóvel, como prova até a China, tão bicicleteira tradicional e que resolveu meter bronca no motor movido a combustível, para que inventar paliativas como o biodiesel, que só vai adiar o problema, além de ajudar a destruir o que resta de terra arável? Se a porra polui, acaba, por tabela, inflacionando os alimentos, se o troço mata sem parar em todas as ruas, becos, avenidas e estradas, para que continuar desovando automóveis sem conta, apoiados por grossa dinheirama da publicidade (que só mostra, claro, carros andando em estradas desertas).

Dirigir na contra-mão tem a ver com os chamados filmes de ação (que explodem carros para incentivar o consumo) e com as campanhas de publicidade: tudo pode nesses filmecos criminosos e luxuosos. Então por que não ir contra a corrente, desvencilhar-se da massa, ser herói da própria lenda pessoal e investir o carrão no contra-fluxo, “duela a quien duela”? É possível fazer esse tipo de barbaridade. Depois que o estrago está feito, chegam os reis dos panos quentes, os soberbos defensores do bem-estar dos meliantes. “O cara tem problema, por isso dirigiu na contra-mão”. Um bom cacete. Tomou a direção errada porque é um safado e precisa de um corretivo, trabalhos comunitários pesados, cursos de boas maneiras e primeiros socorros, ou simplesmente cadeia.

Pobrezinho, tem problemas. Claro que tem.Vive num ambiente de transgressão, onde ninguém respeita ninguém, todo mundo quer devorar o próximo. Onde sobram flanelinhas bem frente a instituições de Justiça (como acontece aqui em Florianópolis, segundo denúncia da RBS), onde carrões possantes fungam atrás dos outros, cruzam faixas de pedestres e faróis de trânsito a toda velocidade, estacionam na horizontal ocupando de três a quatro vagas.

Daí para a contra-mão é um pulo. Ou apenas engatar nova marcha. O que dizem ser loucura é pura sacanagem.

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