5 de maio de 2008

RONALDO FENÔMENO: A HUMANIDADE TEM UM CUSTO


As primeiras repercussões da entrevista de Ronaldo ao Fantástico destacaram as frases mais bombásticas do jogador: a de que o episódio dos travestis manchou para sempre sua reputação ou que sua casa foi destruída por um furacão. Prefiro cavar um pouco mais fundo para entender o evento, que tanto pode ser encarado como uma besteira que alimenta a mídia, quanto como um drama contemporâneo que tem a ver com todos nós. Trata-se da divisão entre imagem pública e vida privada.

Ronaldo parecia desesperado em querer expor sua humanidade ao procurar prostitutas depois de uma briga com a namorada. Todo mundo sabe o risco, ainda mais em se tratando de uma celebridade. Comprar sexo aparentemente fácil é uma arapuca de várias conseqüências. Não avaliar os desdobramentos de uma decisão tomada na boca da noite, sabendo quem ele é, significa que Ronaldo tinha jogado para longe o cuidado com seu bem mais precioso, a marca Ronaldo Fenômeno, que se partiu como taça de cristal em dia de comemoração. O que ele queria ao ligar para o disk-rabo? Recuperar o que achava mais valioso, sua precariedade, sua humanidade escondida pelo mito.

Quando a máfia rapou Pelé de toda sua cadeia de hotéis, ele foi obrigado a ir para o Cosmos retomar sua carreira. Ficar duro depois de uma carreira brilhante serviu como lição. Daí em diante, Pelé concentrou-se nos negócios ao redor da sua marca e teve o cuidado de separar Pelé de Edson, para evitar assim que a estátua fosse manchada no caso dos deslizes de sua vida pessoal. Ronaldo teve seu dia de cão em plena atividade profissional, pois não previu o custo que é resgatar a humanidade oculta, expor sua escassez para se livrar das chateações da celebridade.

A entrevista toda é um primor de marketing, inclusive por conter algumas frases sinceras. Serviu para colocar algumas coisas: o arrependimento, o fato isolado, a heterossexualidade, a necessidade de recompor o mito, a fé no amor perdido (a namorada que ficou uma fera). Mas é possível imaginar a prostituição de alto coturno não como um fato isolado na vida dos famosos, mas algo corriqueiro, comum, como provam os inúmeros eventos que envolveram os bananas nesse tipo de mico. O escândalo com michê serviu para incendiar o sensacionalismo, mas deixou poucas marcas, como é o caso de Hugh Grant, que continua com a mesma cara de sonso mesmo depois de ter aprontado na calçada da fama em Los Angeles.

Ou seja, tudo será esquecido se a figura continuar na ativa. O problema é se Ronaldo, que encerra sua carreira no Milan em Junho, virar bonde. Se ele quer mesmo ir para o Flamengo, como disse ontem, precisa se preparar. Vão tirar o seu couro. Uma injustiça para quem não soube equilibrar o pesado fardo da notoriedade com o tesão, o que é absolutamente comum na vida geral da cidadania. O que me invocou é a acusação de Ronaldo de que se trata de uma quadrilha que costuma fazer isso com gente muito conhecida, ou pessoas casadas, com status social. Já prenderam a quadrilha? Não?

Ronaldo arrependeu-se de sua humanidade, que só lhe trouxe problemas. Vai querer reerguer a “casa”, ou seja, sua imagem pública, seu único patrimônio que restará depois de uma carreira brilhante. Provou do fel que é a tendência hoje de desmoralizar os mitos: sempre o chamaram de gordo ou covarde. Agora só faltava chamá-lo de viado. Mas se ainda hoje acusam Monteiro Lobato de racista, Getúlio Vargas de anti-semita, se dizem que Shakespeare nem existiu (como pode tanto talento numa pessoa só?) e que todo gênio tem um ou mais esqueletos do armário, imaginem o que não fazem com os talentos em plena atividade.

Ronaldo diz que chorou e eu acredito. Quando há remorso, há perdão. Mas seu pecado foi o de ter sido exposto, não o de ter procurado trepar com vagabundas. A putaria impera em todos os escalões, como cansam de mostrar as falcatruas políticas. E se espalhou por todo o tecido social, como vemos na televisão em todos os horários. Dar em troca de alguma coisa concreta é o lugar comum do país sem soberania. Ronaldo simplesmente embarcou numa canoa furada. Só que não enxergou a corredeira em frente, que o levou para um tombo na cachoeira.

Podemos comparar o evento com sua arrancada fatal. Ele praticamente rifa a bola, ou seja, a coloca bem longe, fora do alcance dele e do adversário. Dá então uma corrida para recuperar o biroço, aparentemente perdido. Consegue. Daí vem o drible e o chute certeiro. É um “seja o que Deus quiser” que costuma dar certo dentro de campo. Fora do retângulo mágico de grama, não funciona assim. Você chuta para longe achando que consegue chegar junto, mas pode levar um tombo antes de fazer algo que preste.

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