23 de agosto de 2008

FILMAÇOS


Tenho milhares de leitores. São quase 200 visitas por dia, o que dá umas 6 mil por mês, média de 70 mil por ano. Tem dia que visitam 300 páginas desse blog. Portanto, não vou cair no lugar comum de me dirigir aos meus 15 leitores, porque não é verdade. Tenho casa cheia todos os dias. Pode ser que a maioria só passe por alguns segundos, não importa. Procuraram um assunto, caíram aqui, na minha caçapa de caçar neutrinos. Foram fisgados pelo escriba compulsivo. Essa plêiade de olhos que correm pelas letrinhas aqui expostas sabem que há tempos não falo sobre cinema, embora eu veja mais de um filme por dia. A safra tem sido escassa, mas quando tem filme bom, é filmaço. Vou comentar alguns (como sempre, leiam a ficha técnica nos sites especializados, aqui é só viagem na maionese).

UM BEIJO ROUBADO (My blueberry nights)– Road-movie (filme estradeiro) dirigido pelo chinês Kar Wai Wong e que é um travelling sobre a cultura americana, do café cult novaiorquino ao deserto de Las Vegas, do blues ao rock, da lanchonete à mesa de pôquer, do Jaguar ao metrô. O elenco humilha: Norah Jones, Jude Law, David Strathairn, Tim Roth, Natalie Portman, Rachel Weisz. As histórias se cruzam, mas existe uma espinha dorsal, o amor entre o dono do bar e a moça de coração partido. Por que o filme é estupendo?

Porque parece ter sido desenhado e pintado por um artista americano clássico. Porque a trilha sonora foi bolada por alguém que depois se recolheu às montanhas para meditar, de tão forte e impactante que é. Porque os personagens, todos, são carismáticos, graças ao texto primoroso e ao trabalho de atrizes e atores, com destaque para David Strathairn como o policial que não se conforma com a separação, para Natalie Portman, essa atriz que nos conquistou de cara, aos 13 anos, quando fez aquele filme inesquecível com o matador interpretado por Jean Rennó, e agora nos deslumbra como a jogadora que perde o pai. Por tudo isso e mais um pouco. Veja, e depois veja, veja de não esquecer de ver. Vá ao cinema ou traga-o à sua casa. O cinema é Deus que bate à sua porta.

PONTO DE VISTA (Vantage Point) – Filme americano que tem tudo para ser uma porcaria: assassinato de presidente, luta anti-terrorista, Dennis Quaid. Mas surpreendentemente, é ótimo. O argumento é baseado num filme de Akira Kuroswa, Rashomon (1954): um crime é reconstituído quatro vezes, de acordo com o ponto de vista de quem a estava contando (noiva, ladrão, espírito do samurai e um lenhador). Como notou Giba Assis Brasil, roteirista/escritor/autor/cineasta, que prestigia o Diário da Fonte com sua leitura, "a idéia original de Rashomon não é do filme, mas de um conto homônimo publicado em 1914 pelo escritor japonês Ryonosuke Akutagawa, adaptado pelo Kurosawa e seu co-roteirista Shinobu Hashimoto em 1950." Claro que o diretor Peter Travis e o seu roteirista Barry Levy apertam os olhinhos (sabem como funciona: o cara quando fala em criação aperta os olhos para sugerir que a coisa está saindo do bestunto ali na hora), dizendo que eles bolaram tudo, sem dar crédito à Kurosawa. Mas isso é comum nesta época de vampirismo cultural e político.

Por que o filme é bom? Dennis Quaid explica: "Você vê o filme, acha que já viu tudo e quando ele acaba diz uau!" É verdade. No mínimo, tem a mais espetacular perseguição de automóveis de todos os tempos. Grande coisa? Pois veja para ver o que é bom para a tosse. É absolutamente magnífica. A grande lição dos americanos é que eles não desistem de fazer o que sabem fazer bem, de maneira melhor, maior e mais intensa. Aqui não. A gente faz uma coisa e acha que deve pisotear em cima. Depois fazemos de novo, de outro jeito, errado, claro. É preciso insistir e crescer até a coisa tomar conta do universo.

Além de Quaid, que tem aquela caratonha manjada mas que funciona na tela, há o careteiro Forrest Whitaker, que é excelente, mas é um ator que não confia na inteligência e na percepção do espectador, pois usa de todos os truques e artimanhas para repassar emoções. Filmaço. Com William Hurt, o minimalista, fazendo papel duplo.

BANQUETE DE AMOR (Feast of Love) – Bem, é um filme com Morgan Freeman. Vejo todos, sempre. Neste caso, o cara extrapola como o protagonista narrador de uma série de relacionamentos amorosos, de todos os tipos, que o rodeiam ao longo de uma história trágica e emocionante. Vale a pena. Gostei demais. O grande pecado de Freeman foi ter rolado no barranco recentemente, numa acidente de carro. Pirou de vez. Está com apenas 71 anos. Tem que fazer mais uns trinta filmes, no mínimo. Senão não dá.

RETORNO - Imagem de hoje: Jude Law e Norah Jones comem torta, roubam beijos, se apaixonam e te levam América adentro, num lance espetacular do cinema deste início de século.

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