17 de outubro de 2008

CONCEITOS CULTURAIS REVISITADOS


Hoje vale tudo. Estão reescrevendo o universo, impondo conceitos, adaptando as pessoas à situação inventada pelos meganhas de todos os poderes. Estão deixando de lado coisas básicas, esquecendo necessidades prioritárias. Decidi me insubordinar contra isso e repor algumas coisas no lugar. Uso a provocação, mãe da vingança justa.

ENSAIO - O ensaio é o doutorado com preguiça. Para que perder tempo citando autores estrangeiros, quando você pode muito bem dar uma cravada, expor a essência de um insight em poucas linhas? Voltaire sabia disso. Hoje há milhões de doutorados sobre Voltaire, mas nenhum com a graça de um “Que Deus me proteja dos meus amigos. Dos inimigos, cuido eu”.

TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA - A teledramaturgia brasileira é a arte de falar com a boca cheia. Como produzimos commodities e não alimentos, cavamos fundo a escassez, a demanda e a fome. Onde há famintos, é preciso impor a fala dos bem nutridos. Por isso abusam das cenas na mesa do almoço e jantar em todas as séries e telenovelas. Os personagens falam expelindo comida pela boca. O faminto precisa ver e invejar aquele que tem o direito de falar porque está comendo.

NOUVELLE VAGUE - A nouvelle vague é a inveja dos críticos franceses, que não suportaram a grandeza do expressionismo alemão transformado em arte suprema no filme noir nos anos 40 e 50, e apelaram para o cinema não mais narrado pelo protagonista, mas pelo próprio crítico. Noir é ação, nouvelle vague é olho parado. Noir é fonte, nouvelle vague é referência. Noir não precisa de crítica, a arte existe por si, dispensa o vagalhão de palavras. Noir é frase precisa e solidão. Nouvelle vague é alagaravia e promiscuidade. Gosto dos dois.

HORÁRIO DE VERÃO - O horário de verão é uma imposição do Windows. Você ainda não chegou na vigência do prazo definido para o horário mudar, mas Bill Gates já disse como a coisa funciona. Todos os dias, você acerta o horário, até chegar o dia 19. Porque Bill quer. E quando Bill quer, Bill pode.

HONESTIDADE - As pessoas são honestas quando há lei. O que evita alguém de esmigalhar o próximo, destruí-lo com atos e palavras, erradicá-lo do convívio terreno, invadir seus redutos, acabar com sua biografia, se apossar de seu território, bater sua dispensa, cuspir em suas obras, chutar seu cachorro, acabar com sua família, jogá-lo no fundo do mar e ainda gargalhar depois disso tudo é a lei, a ameaça de ser preso ou executado. É assim que funciona. Sem lei, que é um conceito cultural, portanto contra a natureza, voltamos ao normal. Antes havia a lei de Deus. Temia-se a Deus. Hoje não tem nem lei humana.

REMORSO - O remorso é a lei introjetada na alma, consciência, coração. Sobram facínoras e meliantes e tungadores de todos os dinheiros porque não há mais remorso, não se teme o castigo eterno. O remorso é Deus moendo os minutos que te restam sobre a terra. Ou você dá um jeito nisso e nunca mais repete a bandalheira, ou entra para um convento e amarga o exílio do olhar divino ate ser perdoado. Sentir remorso é uma encrenca, é por isso que foi erradicado. Nada melhor do que rebentar com tudo e depois ir tomar um café com chantilly. E o pior: jurar inocência.

RETORNO - Imagem de hoje: Voltaire, antevendo o trabalho que ia dar nas universidades.

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