27 de outubro de 2008

O LIVRO COMO INSTRUMENTO DE LIBERTAÇÃO


Dentro da programação da Semana Nacional do Livro, a Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina promove nesta terça-feira, dia 28, no auditório Elke Hering, três palestras: às 8h30 - “Acesso e organização da Informação: publicações eletrônicas” - professoras Ursula Blattmann e Rosângela Schwarz Rodrigues (CIN - UFSC); às 10h - “Para gostar de ler...” - poeta e professor Alcides Buss; e às 11 horas, “O livro como instrumento de libertação” – que é o meu tema. Atendi o convite gentil da professora Roberta Moraes de Bem, depois que fui indicado pelo carismático Paulo Clovis, o PC, jornalista querido aqui da ilha e um dos editores do jornal Notícias do Dia. Sobre o assunto que escolhi vou falar um pouco aqui no Diário da Fonte, pensando alto já para o evento.

A servidão é fruto das relações econômicas, que geram as classes sociais e os sistemas de dominação, pelo pouco que entendi da literatura marxiana. Para rompê-la, é precisa que essas relações sejam transformadas. Não adianta falar em libertação, nessa ótica, sem que haja essa mudança. Passam-se os anos e por mais que sejam prometidas as tábuas de salvação, somos surpreendidos pelas crises cíclicas, que é, no fundo, o velho sistema em constante reacomodação para não mexer no principal. A solução leninista é a guerra, a luta revolucionária liderada por uma vanguarda esclarecida, que ao intensificar a luta de classes cria condições para uma intervenção política. Tudo isso é sabido. Mas tanto a guerra quanto a solução pacífica (outra saída que a prática apontou) precisa ser exercida com a cabeça feita. Ninguém luta no escuro.

Hoje, há uma percepção poderosa de que a guerra não leva à libertação, mas a mais servidão. A mudança sem o uso das armas precisa, mais do que todos os outros caminhos, de instrumentos como o livro. Pois a pressão escravista acontece hoje, na sociedade do espetáculo, por meio da manipulação das linguagens. Estamos impregnados de linguagem corporativa, de auto-ajuda, política, religiosa. A diversidade do livro, os redutos que representa de livre pensamento, a sedução que oferece por meio de obras de qualidade, exercidas pelo talento e pela sabedoria, é uma grande vantagem sobre a superficialidade dos outros veículos, todos eles às ordens de interesses variados. Não que não hajam interesses expressos no livro ou que seus conteúdos não sirvam para manipulações. Mas o livro, acredito, é que o oferece a margem maior de tráfego do pensamento sem as amarras. Ele pode libertar nossa percepção das armadilhas montadas em todos os cantos.

Qual o papel do livro nos momentos de transformação? Roberto Darnton, em suas teses, lançou novas luzes sobre o carisma do livro como instrumento principal da revolução iluminista. Antes de Darnton, achávamos que os grandes livros dos grandes autores tinham sido responsáveis diretos pela luta desenvolvida no front revolucionário contra a aristocracia. Sabemos agora que foi a disseminação, e até mesmo a diluição, da literatura essencial iluminista, por meios panfletários de autores que intermediavam as novas teses com a leitura da época, que ajudou a fazer a cabeça das pessoas engajadas nessas mudanças.

Recentemente Darnton tem se dedicado a fazer a difusão dos estudos de História por meio de uma linguagem mais acessível, pois sabe que os historiadores não trabalham para a leitura de massa. Ele se preocupa com o rumo que as teses universitárias tomam ao chegar ao grande público e por isso está engajado num esforço, idêntico aos antigos intermediários pré-revolução francesa, de fazer com que a cabeça do público chegue às esferas dos altos estudos. Lembro que aqui no Brasil Monteiro Lobato fez algo parecido com a cultura grega. De tabela, ele nos levou para leituras mais intensas, ao teatro grego, por exemplo. Lobato, com sua obra infanto-juvenil, formou sucessivas gerações de leitores e, mais importante ainda, de escritores. Quando leio e-mail de garota de 12 anos comentando nosso primeiro livro da trilogia Diogo e Diana (escrita em parceria com Tabajara Ruas) fico entusiasmado. Soube de fontes insuspeitas que esse livro – Meu vizinho tem um rottweiler (e jura que ele é manso) - foi o primeiro lido inteiro por vários adolescentes. Só isso já me enche de esperança.

A intermediação entre leitor e autor precisa ser bem resolvida. Gosto de citar Mario Quintana, que respondeu a uma professora que perguntara sobre o que deveria ler para entender Shakespeare. “Leia Shakespeare”, foi a brilhante resposta. A experiência nos ensina que, quando vamos direto às fontes principais, temos mais chance de entender os assuntos do que os grandes explicadores ou diluidores. Mas acredito que, no início do processo, quando começamos a nos familiarizar com os livros, a intermediação fundamental é a do professor. É no sistema de ensino que aprendemos a ler os grandes autores, graças ao apoio, ao auxílio dos professores. Não que eles sejam especialistas em grandes assuntos ou grande autores, mas são especialistas em leitura rica e proveitosa. Mais tarde na universidade, os professores são a base para a seleção e orientação sobre livros. Mas isso só vale quando o mestre nos deixa à vontade para ler com os olhos livres.

Com o e-book, e os conteúdos multiplicados na internet, como fica o livro impresso? Acho que ele continuará tendo sua função, pois nada substitui uma boa biblioteca. Muita coisa não está ainda na rede e levará algum tempo para que o universo digital possa competir com as ofertas existentes nos livros. Mesmo depois, quando tudo estiver na rede, abrir um livro continuará sendo um prazer renovado. Para olhos exaustos, então, que não suportam o cansaço gerado pelas luzes das telas de computador, uma página impressa é um alívio.

Acho que esses são os vetores principais do que vou dizer nesta terça feira na UFSC. Não muito mais do que isso.

RETORNO - Imagem de hoje: Monteiro Lobato. Sempre ele, quando se fala em livro.

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