19 de outubro de 2008

PEDRO CARDOSO, DO BRASIL SOBERANO


O ator Pedro Cardoso, sobre o qual me referi aqui no Diário da Fonte tempos atrás como “o ator essencial especializado no fragmento da fala e do gesto”, e também como nosso atual “comediante maior”, numa linhagem que revisita dialeticamente todos os grandes talentos do passado, abriu o verbo contra a exploração pura e simples da putaria no cinema e na televisão. Sua entrevista à jornalista Silvana Arantes neste domingo (19/10/2008) na Folha é puro Diário da Fonte: “Minha batalha é contra o disfarce da pornografia em obra de arte e em entretenimento. Quem quiser fazer pornografia ou usufruir da pornografia no seu mundo privado não é assunto meu. É assunto meu que a pornografia esteja, disfarçada, na novela das seis, no programa de auditório, na quase totalidade dos filmes, porque atingiu meu mercado de trabalho”.

“Pedro leu manifesto sobre o tema há duas semanas, no Rio, antes da sessão de Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, que produz e no qual atua - sem cenas de nudez”, informou Silvana Arantes. Claro que os proxenetas, os cabareteros, os gigolôs, os exploradores sexuais, que mandam na indústria cultural, caíram em cima, xingando-o de “moralista”. Só no Brasil da eterna ditadura moralismo é nome feio. Cardoso chama às falas os caras que investem (dinheiro público inclusive, e como!) nessa bagacerada sem fim. Diz que o problema não se resolverá entre artistas. Claro que não, é uma questão política.

Faltou dizer: os corpos estão disponíveis porque o país perdeu a soberania. Sem soberania, todos ficam à mercê da exploração sexual nacional e importada. O Brasil, já disse aqui mil vezes, é o rabo do mundo. A pornografia tomou conta de maneira tão profunda que está sendo confundida com identificação nacional. País escravo abre as pernas, quer queira ou não. Mistura tudo, como explica Cardoso neste parágrafo lapidar:

“A questão do nu para o ator é muito complexa. Para representar nu, um ator terá que vestir a nudez do personagem. Se algo de verdadeiramente fundamental acontece na história no caminho da nudez, o ator é capaz de representar o personagem nu e, numa habilidade muito grande da sua arte, iludir a visão do espectador, de modo que ele veja a nudez do personagem sobre a nudez do ator. Ou seja, o ator tem que vestir algo inefável. É possível. Não tenho nada contra a nudez em si, como uma possibilidade de momento da arte. Tenho contra a nudez sem história, onde o ator fica nu na hora em que tira o figurino. Convenhamos, um homem ou uma mulher tomando banho, como é freqüente ver na TV aberta, é algo prosaico. Essa nudez é mera exibição do corpo da atriz. Não é dramaturgia. Uma relação sexual entre dois personagens em que nada acontece além da própria relação não é dramaturgia.”

O ator entrega que muitos cineastas de araque impõem a nudez às atrizes e depois curtem, usufruem das cenas, em sessões privadas. Cardoso tem uma namorada atriz, mas não foi por isso que se insurgiu contra o deboche, a falta de respeito, a sacanagem, a brutalidade, a violência desse tipo de expediente. Não foi para "defender o seu" de maneira torpe e mesquinha. Na fonte de sua postura está a consciência, a luta pelo direito de trabalhar sem se prostituir: “Não respondo perguntas sobre minha vida particular, porque considero que a totalidade da imprensa que cobre os fatos culturais não tem parâmetros éticos confiáveis. Mencionei o fato de namorar uma atriz por honestidade intelectual, quando percebi que a temperatura com que eu lidava com esse assunto era causada pelo fato de ver minha namorada ter de enfrentar os ataques da pornografia diariamente.”

Como a pressão é muita, violenta, avassaladora, Cardoso disse que foi mal compreendido. Compatriota Pedro Cardoso: eles entenderam perfeitamente, estão é a fim de te queimar, de te erradicar de cena. Teu talento se impõe, você se segura, não precisa dessa canalha. Você se retirou de um filme que o enganou em 1983, quando um cineasta queria que você se pelasse em cena e você, garoto firme e forte, caiu de banda, no que fez muito bem.

Nós, que sabemos que a pornografia é usada para desmoralizar a liberdade de expressão neste país ainda sob o jugo da ditadura, que não tememos ser chamados de reacionários ou comunistas porque defendemos a soberania nacional, nós que pertencemos, Pedro Cardoso, cidadão exemplar, ao Brasil Soberano, dizemos: Não! Fora com o abuso dos corpos. Abaixo a ditadura e fora o imperialismo. Sim, as palavras de ordem estão ainda vigentes. Infelizmente.

RETORNO - Imagem de hoje: Pedro Cardoso na peça "O auto-falante".

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