20 de janeiro de 2009

A GLOBO TOMA POSSE COM OBAMA


Sem medo de ser feliz, estuando o peito e levantando os ombros por força de invejável orgulho cívico, não cabendo em si de tanta evidência ideológica, vestidos a rigor para o grande evento que é a prova cabal da superioridade americana sobre o mundo (e principalmente sobre nós), com o tom de advertência que antes era reservada aos profetas e grandes catequistas, fazendo do jornalismo de breque (aquela pausa fajuta antes da conclusão da frase, para causar impacto) uma arte inimitável, os repórteres, correspondentes e apresentadores da Globo dão um show de babação de ovo diante dos poderosos que costumam invadir países e matar milhões em bombardeios, nucleares ou não.

A Globo despeja sabedoria para sua audiência cativa, o Brasil, que mata 150 mil pessoas por ano, sendo 78 mil por assassinato direto, segundo impressionante levantamento do jornalista Luís Mir em seu monumental Guerra Civil, livro de mil páginas lançado pela Geração Editorial. Qual a fonte do massacre, segundo Mir? O Estado, o poder constituído, que a Globo serve como ninguém, tendo crescido e espalhado seus tentáculos no auge da repressão e agora posa de democrata, enquanto o país mergulha em nova onda recessiva, graças aos energúmenos que nos governam e que sacodem dedinhos diante das câmaras achando que somos todos um bando de imbecis cordeiros.

A guerra decisiva que se trava hoje não é no campo de batalha, no front de fogo, mas no uso da linguagem. É fundamental amarrar todas as pontas para que a tirania funcione. Quando tudo está em ruínas, com a opressão matando em massa, é fundamental que haja um grande monumento, virtual ou não, que celebre o poder absoluto sobre todos. A pirâmide, a rede de televisão, o sistema de leis que prendem inocentes e anistiam assassinos, o esquema que prepara os próximos presidentes, a imposição da eternidade do status quo na percepção do povo, é o que define a merda fossilizada que nos cerca. Dois filmes, um de 1963 (Oito e Meio, de Federico Fellini) e outro de 1965 (A pequena loja da rua principal, de Elmar Klos e Jan Kadar), denunciam essa necessidade de gerar uma referência acima dos mortais para que a ditadura impere.

São dois filmes muito parecidos, pois há o monumento fascista no filme tcheco, e a torre vazia da indústria cultural na obra-prima de Fellini; o suicídio (ou ameaça de) dos protagonistas e o escape pela dança e o sonho, antídotos contra o pesadelo do real. Enquanto em Fellini é a libertação que triunfa, pois o congraçamento coletivo muda a realidade, no filme tcheco é a ilusão que impera, único escape para o horror da perseguição fascista na Segunda Grande Guerra. E nós? O que fazer com esses monumentos que nos colocam diante do nariz, reiterando uma situação insuportável? A Record e a Globo brigaram pela transmissão do Pan em 2015! Eles acham que vão ficar no poder eternamente?

Quieto coração, que o mundo é conflito e não há como escapar dessa armadilha. O que te cabe é verter das fontes que te emocionam alguma coisa verdadeira para compartilhar com os contemporâneos. Seja um poema, uma flor, uma crônica. Seja um alô, um abraço, um debate, um acordo. Desligue a TV e mergulhe nesse cinema que foi perdido, que hoje dorme escondido em lugares inacessíveis, enquanto triunfa a pose dos bilionários atores e diretores de uma cinema corrompido, que apenas reforça o que está sendo dito todos os segundos desta vida: a de que eles vão imperar para sempre e você, pobre verme, que gosta de filmes importantes, pastará até que o universo vire pelo avesso.

Quando Obama, obedecendo aos ditames imperiais, invadir e bombardear, sem medo de ser feliz, então será tarde demais. Pois tudo será justificado em nome da “mudança” que ocorre com sua posse. Como contrariar o circo da transformação montado para que tudo continue na mesma? A posse de Obama é o resgate da América primordial, de Abraham Lincoln, contra a América de Bush. A segunda foi gerada pela primeira. O ciclo se completa novamente.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: a genial atriz Ida Kaminska no papel da velha senhora dona de uma loja que sofre a “arianização” do regime em “A pequena loja da rua principal”. Nesta cena, ela escuta velhas canções no gramofone, enquanto os alto-falantes, a mídia da ditadura, convocam todos para o ódio coletivo. Ver esses filmes é como escutar preciosidades em discos antigos. 2. Nos primeiros minuitos da nova novela global, dois canastriônicos (canastrões histriônicos), Lima Duarte e Tony Ramos, fantasiados de indianos e rosnando expressões nativas (da Índia) insultam o espectador com uma antologia do mau gosto da interpretação. Caratonhas, suspiros fundos, gestos grandiloqüentes, cenhos carregados, sem falar no texto, abundante em sua patetice, fizeram dos primeiros minutos (o resto não consegui ver) da novela uma gigantesca bobagem.

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