18 de janeiro de 2009

INSOLÊNCIAS TEÓRICAS


Toda insolência teórica é idealista, o que é um forma elegante de dizer que não pára em pé. O fim da História, a irreversível globalização: tudo faz água quando se abre mão da humildade dialética, instrumento do racionalismo de resultados. Qualquer sacada que se baseie na árdua reflexão anti-idealista tem mais brilho e persistência do que as idéias de impacto, que são fogo de palha.

Hoje ninguém fala em Fukuyama, o cara que decretou a Pax Romana pró-América pós Guerra Fria no debate político, o que justificou toda a barbárie posterior da hegemonia do capital especulativo, pois, já que não havia mais oposição, podia tudo. Mas ninguém pode negar a força e a permanência da idéia de que a toda História humana é a História da luta de classes, de Marx. Quanto mais o idealismo (a noção de que as coisas, os fatos, a realidade partem das idéias e não o contrário) tenta subornar as mentes com ilusionismo, mais atual fica o pensamento de que, por exemplo, o imperialismo é a fase superior do capitalismo, como escreveu Lênin.

Uma grande insolência teórica idealista é o “penso, logo existo”, de Descartes. Se fosse verdade, sumiriam do mapa todos os energúmenos incapazes de produzir pensamento, especialmente no Brasil. Por exemplo: invocar a palavra soberania para justificar o acoitamento de um sujeito condenado por assassinato no seu país de origem é a prova de que as pessoas existem à revelia do pensamento. Achar que o Brasil deve acobertar assassinos ditos de esquerda assim como asilaram por aqui genocidas de direita como Stroessnner, como vi num blog ontem, é outro exemplo de que existir independe do raciocínio.

Quando os créditos podres explodiram, obrigando o Tesouro americano a verter sua dinheirama para o gargalhante mercado especulativo, não poderia existir prova mais fatal de que a globalização não é irreversível, ou seja, jamais poderia se impor pela lógica, já que é absolutamente condenável. Um sistema que sucateia moedas do mundo inteiro, que gera dinheiro falso a partir de flibusteiros (para usar a feliz expressão de Saramago) bem postos, é totalmente reversível, pois ameaça a sobrevivência da espécie humana.

Há outras insolências teóricas menos consideradas, mas que causam o mesmo tipo de estrago. Uma delas é achar que o atual governo provou que a esquerda é financeiramente responsável, uma bobagem que vejo repetida a toda hora, principalmente por jornalistas ditos lúcidos. Primeiro, porque assumidamente o governo atual não é de esquerda. Segundo, porque entrou no barco furado da globalização e hoje, apesar de dizer que estávamos imunes à crise, já rondamos a depressão, por mais que tentem esconder. Sobre isso há o artigo "A marolinha que virou ondão", do excelente jornalista Euclides Lisboa, no Diário Catarinense deste domingo.

Em compensação, insighs teóricos como “a mentalidade dominante é a mesma da classe dominante”, de Marx, estão plenamente em vigor. Quando o presidente considerado operário e sindicalista justifica uma política econômica capitaneada por um tucano, ficamos sabendo do que trata essa sacada marxiana. Para romper com a prisão das idéias, você precisa de instrumentos teóricos poderosos, como o materialismo dialético, que tanto pode ser um camaleão (muda conforme o vento) como uma oportunidade de entender melhor o mundo e agir sobre ele. Depende de quem o manipula. Na boca mole e torcida do Ministro da Justiça, por exemplo, exercendo sua função de rei da cocada preta diante do mundo em pânico com o asilo dado ao condenado na Itália, vira sucata.

RETORNO - Imagem desta edição: Reichstag, foto de Daniel e Carla Duclós, na recente viagem que fizeram a Berlim. Trecho das impressões de Daniel na grande cidade da Alemanha: "Berlin tem um pouco dessa esquizofrenia dos tempos da guerra fria até hoje - em algumas horas ela é bem soviética, você olha e vê pessoas com pesados casacos e gorros de pele de minsk andando sobre a neve, em grandes espaços vazios e pequeninas ao lado de edifícios públicos gigantescos e quadrados, com corvos ao fundo, tipo filme soviético de 1972, e você vira uma esquina e PÁ, um negócio multi moderno europeu século 21 mega multi cultural".

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