23 de janeiro de 2009

JORNALISMO NO CINEMA, ONTEM E HOJE


Jerome Cady tinha 45 anos quando tomou uma dose excessiva de pílulas para dormir e morreu no seu iate em 1948, um pouco depois do lançamento de Call Nightside 777. Ele foi o roteirista deste e de outros filmes, naquela época gloriosa em que os créditos apareciam apenas por alguns segundos e não, como é costume hoje, por quase um terço do tempo destacando um a um, desde o segurador do pau de luz até o penteador de cachorro. Jerry Cady, como era conhecido, era um escritor de sucesso e este filme, dirigido por Henry Hathaway, conta a história de uma reportagem investigativa que livra um prisioneiro de ficar a vida toda na cadeia.

Clint Eastwood refilmou este clássico noir em 1999 com True Crime, substituindo o inocente polaco por um inocente negro, e fazendo com que a esposa acompanhe o marido condenado, ao contrário do original, em que a esposa, a pedido do marido preso, se divorcia e casa novamente. O encanto do filme em preto e branco é total. Magnífica interpretação deste grande sujeito que é o James Stewart, que tinha uma cara de bebê e um corpo fino demais, de pernas tortas, meio troncho e que era um baita ator.

Sua postura no início do drama denunciava a desconfiança: como repórter ele não acreditava na inocência do condenado e faz de tudo para se livrar do encargo, repassado pelo editor, interpretado por Lee J. Cobb. Na versão de Clint, repórter e editor são inimigos mortais, disputam a mesma mulher e têm visões opostas da profissão. São dois momentos diferentes do jornalismo. Nos anos 40, a reportagem investigativa era a essência do jornal, incentivada pelos donos e seus representantes máximos na redação. Na nossa época, um repórter desse naipe é tratado como dinossauro e precisa contrariar todo mundo para poder provar que uma reportagem pode cumprir o seu destino e salvar um inocente.

É encantador ver como a prova definitiva – a ampliação de uma foto é repassada por cabo de uma cidade a outra, processo que leva algumas horas – toma conta dos personagem e de nós, espectadores. O suspense chega ao máximo quando enfim o repórter consegue provar que o a data estampada num exemplar de jornal, ao fundo da foto denunciadora, poderia livrar o condenado. Tudo é feito de maneira segura, intensa, num crescendo sem hipérboles, nada. Tudo termina num sopro. Nos dois filmes, o repórter salvador fica em segundo plano, enquanto o liberto reencontra a família. No filme antigo, o acordo entre o pai separado e o novo marido da esposa. No de Clint, as compras de Natal da família refeita faz com que o repórter solitário se reencontre, e não se sinta o inútil que todos acreditavam que era (inclusive ele próprio).

Quando vi o filme de Clint, fiquei entusiasmado: havia cinema ainda. Quando vi o original, me dei conta: o segredo era da história, da trama bem amarrada. E da abordagem humana do cinema. Hoje, a indústria audiovisual destaca a estética ea monstruosidade dos corpos. Naquela época, o corpo humano, com toda sua escassez e precariedade, estava no centro da Sétima Arte. Diferença brutal, que torna ainda mais maravilhoso o cinema que se fazia e que tinha talentos como Jerome Cady e Henry Hattaway por trás de tudo.

RETORNO - Imagem desta edição: James Stewart no papel do repórter McNeal em "Call Nightside 777". O jornalismo investigativo, árduo, insistente, corajoso e sem nenhum "glamour" entra em cena protagonizado por um ator inesquecível.

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