9 de fevereiro de 2009

CASTELOS


Pelo que li do noticiário, o deputado mineiro do DEM está sendo punido não porque tenha um castelo, conhecido há mais de dez anos e inclusive tema de reportagem da Veja em 1999. Mas porque declarou para o fisco um total muito abaixo do seu real valor. O escândalo não é ter um milhão de metros quadrados construídos, cheio de desperdícios e mordomias. Isso a mídia aceita e colabora, já que tudo o que lembra os piores defeitos da aristocracia são incensados pelos pobres de espírito que ocupam os espaços jornalísticos e publicitários (é bairro nobre, é sanguibom, é in, e por aí vai).

As denúncias “pegam” quando há interesses políticos e partidários por trás. O cargo de corregedor, assumido pelo deputado do DEM num momento em que o PMDB toma conta do controle total do Parlamento (numa regressão ao feudalismo, segundo matéria do The Economist), e que se encarrega de investigar as fraudes dos colegas, talvez seja o alvo da cobiça. Imaginem um cargo desses, da raposa cuidando do galinheiro.

Leio as memórias de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Os Lugares da Minha Primeira Infância (que faz parte do livro O senador e a sereia, traduzido por José Antônio Pinheiro Machado e editado em 1980 pela L&PM) em que ele descreve com detalhes os castelos onde foi criado, tanto por parte da família paterna (em Palermo) quando a da mãe, ambos da Sicília. Castelos mesmo, seculares. O da mãe, em Santa Marguerita di Belice, era daquele tipo que tinha cidades nos anexos e impunha o silêncio obsequioso das classes subalternas. As populações viviam no entorno dessas megaconstruções cheias de servos para tudo, em que a saída ou entrada da nobreza feminina eram anunciadas por toques específicos de sinos. As comunidades freqüentavam a Igreja e o teatro do castelo materno.

Lá o menino Lampedusa, que numa fase tardia da sua vida escreveu Il Gattopardo, o grande romance sobre a decadência da nobreza siciliana, e que Luchino Visconi filmou com sua maestria de sempre, assistiu Hamlet pela primeira vez. Ele lamenta que as companhias teatrais que se apresentavam nesses espaços teatrais mantidos pela nobreza tenham desaparecido. E acredita que elas eram o viveiro de grandes atores italianos. Quando vejo filmes antigos, noto a quantidade enorme de escritores que viviam bem só do seu ofício. É preciso uma larga margem de criação, onde todos possam tentar a sorte como escritores para que surja uma grande literatura. O próprio Lampedusa dizia que todos deveriam escrever suas memórias, pois isso enriqueceria a cultura dos países pelas gerações afora, impedindo a repetição de erros e mantendo vivas as experiências ancestrais.

Aqui, mata-se tudo na fonte. A república de araque ceva a dinheiro público os espertalhões que constroem castelos medievais, tentando imitar o que jamais serão, uma linhagem de famílias que conquistaram grande poder, riqueza e prestígio na formação das nações. A guerra é a fonte principal da nobreza e depois o comércio. Em Portugal, a aristocracia tem origem burguesa com seu primeiro rei, o mestre de Avis, que foi empossado na maré alta de uma guerra de libertação. Aqui, temos o simulacro de uma democracia, onde o raposismo disputa o butim, a gorda teta do dinheiro arrancado dos contribuintes. É uma falsa aristocracia facinorosa.

Há uma sintonia nos defeitos entre a aristocracia tradicional e os novos donos do poder, mas não nas qualidades. A nobreza, apesar de ser uma invenção perversa de extrema má distribuição de renda, tinha mais noção de sobrevivência. Nossos sanguibons são oriundos do que temos de pior. A brutalidade da disputa pelo butim, o atraso nas relações políticas, a falta geral de luzes nos levam mais e mais para o fundo.

Depois ficam falando em democracia. Mempo Giardinelli, escritor argentino da região do Chaco, autor de Luna Caliente (que virou mini-série da Globo em 1999, produzido e dirigido pela Casa de Cinema de Porto Alegre), ao comemorar os 25 anos da democracia do país vizinho, disse que o regime é uma coisa, os governantes que assumiram são outra. Lá ele pode falar: os presidentes reprovados foram expulsos a panelaços. Mas nada mais falso se formos aplicar isso aqui no Brasil. O regime pseudamente democrático foi gestado para servir a canalha que usurpou o poder. O resultado é uma república atroz, barulhenta e mortal.

RETORNO - Imagem desta edição: Giuseppe Tomasi di Lampedusa.

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